Mundos Opostos – Capítulo 09

Mundos OpostosCENA 01: MANSÃO ANDRADE DA COSTA/SALA/INT./NOITE

O telefone fixo da sala de estar começa a tocar. Luís desce correndo as escadas e vai até a mesa de centro da sala. Fátima vem do corredor e chega antes de Luís.

FÁTIMA – Pode deixar, Luís, eu atendo.

LUÍS – Não, Fátima, pode deixar que eu atendo pra ti. Pode ir fazer suas coisas…

FÁTIMA – Não, eu faço questão de atender. Levo como minha obrigação.

E Fátima atende.

FÁTIMA – Residência dos Andrade da Costa, boa tarde?

Luís se senta no sofá, apenas observando a conversa. Fátima reconhece a voz do outro lado da linha.

FÁTIMA – Ah, é o senhor… diga, seu Gabriel…

Gabriel responde Fátima.

FÁTIMA – Eles estão bem, sim senhor. Inclusive o Luís está aqui do meu lado. Ele é tão educado, seu Gabriel, volta e meia tenta me ajudar nos meus afazeres… mas enfim, o que o senhor queria?

Gabriel responde Fátima. A resposta surpreende a governanta, que encara Luís com uma expressão de choque. Luís estranha.

LUÍS – O que foi, Fátima?

FÁTIMA – O senhor tem certeza do que está dizendo?

Luís se levanta do sofá, encarando Fátima, que mira sua expressão chocada para outro ponto do cenário.

FÁTIMA – Meu Deus do Céu… eles precisam saber disso.

Gabriel tenta responder Fátima, mas é interrompido por ela.

FÁTIMA – Não, seu Gabriel, eles precisam saber disso. Nós não podemos esconder isso deles, é algo muito grave. Quanto antes eles ficarem sabendo, melhor pra eles.

Gabriel responde Fátima.

FÁTIMA – Não importa, seu Gabriel, eu vou contar pra eles. Certo? Certo, então tchau, até mais tarde.

Fátima encerra a ligação e devolve o aparelho ao suporte. Ela e Luís se encaram por alguns segundos.

LUÍS – O que aconteceu, Fátima?

FÁTIMA – Luís, eu sinto muito…

LUÍS – Tu tá me deixando preocupado…

FÁTIMA – O seu Gabriel e a dona Alice foram visitar sua mãe, e o seu Gabriel acabou de me avisar que a sua mãe faleceu.

Luís recebe um choque com a notícia. Fátima luta para não chorar, mas as lágrimas começam a descer dos olhos de Luís, comovendo-a. Ela se aproxima do rapaz e o abraça. Eles se derramam em lágrimas.

CENA 02: MANSÃO ANDRADE DA COSTA/QUARTO DE IGOR/INT./NOITE

Débora e Igor continuam se encarando.

IGOR – Grávida?

DÉBORA – Sim. Grávida.

IGOR – Não pode ser…

DÉBORA – Olha, Igor, independente do efeito do álcool, foi você quem fez. Agora, eu espero que você abra o peito e encare as consequências dos seus atos. E eu não falo em honrar sua masculinidade ou algo do tipo, eu falo em honrar a sua palavra, porque você me prometeu que nos assistiria caso eu estivesse realmente grávida.

IGOR – Eu sei disso… mas acontece que eu ainda não digeri essa história completamente. Tudo aconteceu tão rápido, tanto que eu sequer me lembro de ter encostado em você.

DÉBORA – Eu vim aqui lhe avisar que, assim que possível, minha avó vai acertar com o tio Gabriel e a tia Alice os detalhes do nosso casamento.

IGOR – Casamento?

DÉBORA – Sim, casamento. Como você quer assistir ao seu filho sem estar casado com a mãe dele?

IGOR – Eu posso muito bem ampará-los sem precisar contrair matrimônio.

DÉBORA – Pensão alimentícia não substitui a presença paterna, Igor.

IGOR – Sem problemas, nós compartilhamos a guarda da criança.

Aparentemente confusa, Débora se aproxima de Igor.

DÉBORA – Esse foi o Pedro Igor que disse que me amava naquela noite?

Igor fica tenso com as palavras de Débora.

IGOR – Débora—

TRILHA SONORA: É Com Esse Que Eu Vou – Elis Regina

DÉBORA – Eu vou entender isso como um momento de confusão. Reconheço, eu não deveria ter sido tão afoita para lhe comunicar tão cedo sobre o nosso casamento. Nem lhe dei tempo para cair a sua ficha de que você vai ser pai, me desculpe. Eu fui muito agressiva, né? Mas enfim, eu não vou mais te incomodar com esse assunto, vou te deixar digerir melhor essa história toda, vou te deixar pensar melhor nisso tudo… mas eu só queria que você se lembrasse de que o nosso filho preferiria que nós o criássemos juntos, como uma família, do que separados, em guarda compartilhada. A união dos pais é muito importante para a criação do filho… coitada da criança que cresce percebendo que foi fruto de um amor tão efêmero, que cresce vendo os pais se comportar como se nunca tivessem se amado…

IGOR – A última coisa que eu quero é magoar um filho meu. Débora, eu prometo pensar bem nessa história, eu só preciso de um tempo. Depois desse tempo, nós conversamos melhor sobre isso. Mas eu só te peço uma coisa: espere por mim. Não faça nada até que eu tenha condições de guiar tudo.

DÉBORA – Fique tranquilo. Não vamos fazer nada. As conversas e os planejamentos ocorrerão normalmente, mas nada acontecerá de fato sem o seu consentimento.

Débora dá um rápido beijo no rosto de Igor.

DÉBORA – Era só isso mesmo. Não vou mais tomar seu tempo. Com licença.

Débora sai do quarto, deixando Igor sozinho em cena.

CENA 03: MANSÃO ANDRADE DA COSTA/QUARTO DE MARIA/INT./NOITE

Gustavo e Maria estão sentados na cama, um de frente para o outro. Maria está abraçando Gustavo, segurando o choro.

GUSTAVO – O Igor não te enganou, Maria, eu posso explicar tudo isso.

MARIA – Como é que tu pode me explicar isso?

GUSTAVO – Primeiro você diz que o Pedro Igor te beijou… depois diz que viu a Débora agarrada com o meu irmão… e agora eu descubro que a Débora tá grávida. Certamente a Débora percebeu que você gosta dele e decidiu furar a fila. E quem sabe furar outras coisas também…

MARIA – Como assim?

GUSTAVO – Nada, nada não… mas o que importa é que o Igor não te enganou. Quem tá te enganando é a Débora. Ela conseguiu engravidar do meu irmão e, por causa do filho, a avó dela e os nossos pais vão fazer o possível para vê-los casados. Quer dizer…

MARIA – Quer dizer o quê?

GUSTAVO – O Igor me disse que não vai aceitar se casar com a Débora. Ele já me disse que está estudando maneiras de amparar a Débora e o filho sem precisar contrair matrimônio. Basta ligar os pontos pra saber que ele gosta de você, Maria.

MARIA – Tem certeza?

GUSTAVO – Absoluta. E do jeito que a Débora é, eu não duvido nada que ela esteja usando essa gravidez pra confundir a cabeça do Igor e convencê-lo a se casar com ela. E quer saber de uma coisa, Maria? Eu, no seu lugar, não deixava isso acontecer.

Gustavo e Maria se apartam do abraço.

MARIA – Isso não vai ficar assim…

Gustavo sorri para Maria.

CENA 04: FORTALEZA/EXT./NOITE

Imagens da Avenida General Osório de Paiva.

Imagens da Avenida Alberto Craveiro.

Imagens da Avenida Sargento Hermínio. Está amanhecendo.

CENA 05: CASA DE MAURÍCIO E TALITA/QUARTO DE CAROLINA E JONAS/INT./MANHÃ

Carolina entra no quarto e flagra Jonas deitado na cama, erguendo o seu celular e digitando no aparelho. O seu sorriso não desmancha e Carolina estranha.

CAROLINA – Jonas?

Jonas imediatamente abaixa o celular e olha para Carolina, sorrindo para ela.

JONAS (sorrindo) – Oi, meu amor.

CAROLINA – Tá fazendo o quê?

JONAS – Conversando com a Helena.

Carolina sorri.

CAROLINA – Engraçado que vocês se conheceram ontem, praticamente, e já têm assunto o suficiente pra passar horas se falando por WhatsApp…

JONAS – A culpa é minha. Sou eu quem fico puxando conversa, faço o assunto render, e a conversa estica mais que novela infantil no SBT. Mas enfim, queria falar comigo?

CAROLINA – Foi tu quem sequestrou meu celular, né, Jonas?

Jonas ri do questionamento de Carolina. Ele põe o seu celular em cima da cama, se levanta e vai até a cômoda: abre uma das gavetas e tira dali o celular de Carolina. Já imaginando o que ele vai fazer, Carolina abre um sorriso.

JONAS – Eu sequestrei o seu celular. E vou querer um resgate.

CAROLINA (rindo) – Me dá o meu celular, seu palhaço.

JONAS – Só se você pagar o resgate.

CAROLINA – Tá bom, eu pago…

Carolina se aproxima de Jonas e dá um selinho nele. Ela tenta pegar seu celular, mas Jonas levanta o braço. Carolina consegue baixar o braço do marido e recupera seu celular. Mas, antes de sair de perto, Carolina é agarrada por Jonas. Os dois trocam um longo beijo. Jonas larga Carolina, mas agora é ela quem o agarra.

CAROLINA – Ai, continua me agarrando, vai… tava tão bom…

Carolina larga Jonas.

JONAS – Era só isso mesmo?

CAROLINA – Não, eu também queria saber se aquele caderno que o Felipe pegou—

Jonas nem espera Carolina terminar de falar. Ele sai do quarto com a maior pressa, deixando Carolina sozinha em cena.

CAROLINA – Espero que não o Jonas não tenha nada de importante naquele caderno que o Felipe acabou de rasgar…

Carolina resolve mexer no celular de Jonas.

CAROLINA – Dane-se que eu tô invadindo a privacidade dele. Se ele é aberto com o Ricardo, imagine comigo, que sou a mulher dele.

Carolina desbloqueia a tela e tem acesso à conversa de Jonas com Helena. Ela estranha a intimidade da conversa.

HELENA (voz) – Me explica direito essa história.

JONAS (voz) – Acredite se quiser, começou no ano passado.

HELENA (voz) – Não, que isso começou ano passado, eu não duvido. Se vocês fossem mais velhos, aí sim eu estranharia.

JONAS (voz) – Pois é, mas pra gente aqui parece ser pouco tempo mesmo. A Carolina tinha se mudado pra Fortaleza durante as férias do colégio. Aí, no dia que ela começou a morar por aqui, eu e o Ricardo, a gente conheceu ela e ficou encantado por ela. Até o meu irmão ficou.

HELENA (voz) – E vocês três ficaram disputando a Carolina?

JONAS (voz) – Sim, ficamos. Tanto é que, quando ela engravidou, a gente não sabia qual de nós três era o pai.

Jonas volta para o quarto, com Felipe nos braços. Ele também segura um caderno.

JONAS – Não faça mais isso, viu, Felipe? Não mexe mais nas coisas do papai, senão o papai fica triste, papai chora, viu? Como é que a gente fala? Vai, como é que a gente fala?

FELIPE – Dicupa…

JONAS – Tá desculpado. Mas não faz mais isso, tá?

FELIPE – Tá…

Jonas leva Felipe até sua cama, deixando-o sentado lá. Ele percebe que Carolina está mexendo no seu celular.

JONAS – Carolina, não é querendo reclamar, mas porque tu pediu o teu celular pra mexer no meu?

CAROLINA – Jonas, a gente tem que conversar.

Jonas volta até Felipe, pondo-o nos braços e o levando para fora do quarto. Segundos depois, ele volta sozinho.

CAROLINA – Jonas, não é querendo te censurar nas tuas conversas com os teus amigos, mas qual a necessidade de ficar contando as nossas histórias pros outros?

JONAS – Como assim?

CAROLINA – Tu contou pra Helena aquela história toda da gravidez do Felipe. Tem ideia do que tu fez, Jonas? Imagina o que ela deve ter pensado de mim, ela deve tar achando que eu sou uma vagabunda, que se deita com o primeiro que vê pela frente.

JONAS – Claro que não, Carolina…

CAROLINA – Claro que sim, Jonas. E não vem querer dizer que ela não acha isso porque ela não falou isso na tua cara. A Helena pode ser sincera como for, mas ela não falou isso na tua cara em respeito a ti e talvez porque ela pensou que eu poderia ler essa conversa. Mas eu te garanto que ela deve achar que eu te traio… afinal, quais são as chances de uma mulher que já deu pra três na mesma época ser fiel?

JONAS – Mas tu é fiel, né?

CAROLINA (exaltada) – Claro que sim, Jonas!

JONAS – Me desculpa, amor, eu não tô duvidando da tua fidelidade…

CAROLINA – Mas eu tô duvidando da tua confiabilidade. Basta sorrir sem parar pra ti, puxar conversa e ser receptivo a contato humano que a pessoa já ganha intimidade suficiente pra saber da tua vida pessoal. É muito fácil arrancar segredo de ti… quer dizer, quando o segredo é do Ricardo, aí a gente não tira nem torturando. Sabe de uma coisa? Tu pode me amar e o Ricardo pode amar o Dimas, mas tu e o Ricardo se completam. Eu aposto que, se o Ricardo morrer, QUE DEUS OS LIVRE E GUARDE, tu morre junto.

Silêncio em cena por alguns segundos.

CAROLINA – Jonas, tenta ser menos aberto com as pessoas. Pensa duas vezes antes de contar histórias pros outros. Tenta preservar a tua intimidade e a intimidade da tua família. A gente só conta tudo pra família, pra polícia e pra padre em confissão. O resto tem limites.

JONAS – Eu prometo que eu vou tentar. Mas agora só me explica uma coisa: como é que vocês deixam o Felipe pegar nas minhas coisas? Imagina se tivesse coisa importante nesse caderno?

CAROLINA – Eu não sei como ele pegou esse caderno, nem mesmo sabia que o caderno era teu. Devem ter achado que era caderno velho, sem nenhuma utilidade, jogaram em qualquer canto e o Felipe pegou e fez o que quis. Tanto é que, quando eu vi ele com o caderno, eu reconheci a tua letra e eu vim perguntar se aquele caderno era teu e se tinha alguma coisa importante lá… mas enfim, me desculpa, eu não sabia que o caderno era teu e que tu ainda queria.

JONAS – Depois do almoço, eu fui organizar as minhas coisas na minha gaveta lá na estante da sala e eu comecei a sentir a falta de algumas coisas. Não liguei muito, achei que era falta de atenção minha, mas foi só tu falar que eu corri pra ver se o Felipe não tinha mexido na minha gaveta.

CAROLINA – Pelo menos já sabemos o porque da falta de atenção… a Helena te chamando no WhatsApp te fez não só esquecer coisas fora da gaveta, mas também deixar a gaveta aberta.

JONAS – Não, Carolina, vai começar de novo? O capítulo já atrasou por causa disso…

E os dois continuam discutindo.

CENA 06: CASA DE JÉSSICA/QUARTO DE JAIR E JÉSSICA/INT./MANHÃ

Jair e Jéssica estão sentados na cama, um de frente para o outro.

JÉSSICA – Não é te pressionando nem nada, mas eu acho que tu devia ir falar com o teu sobrinho. Não quero que vocês passem o dia assim, brigados. Já é complicado ver o meu filho passando o dia sem se falar com o Ricardo, imagine o meu marido.

JAIR – Da última vez que eu forcei alguma coisa, minhas calças ficaram borradas. Eu não vou fazer nada até que o Ricardo venha me procurar. Não é nem porque eu acho que quem merece ser desculpado sou eu, mas sim porque eu tenho medo de parecer invasivo.

JÉSSICA – Não é questão de forçar, Jair. Se tu não for falar com ele, ele não vai falar contigo. Um dos dois vai ter que quebrar o gelo. E quanto antes, melhor.

Os dois ficam se olhando.

CENA 07: CASA DE GUTO E LUCIANA/SALA/INT./MANHÃ

Batem à porta. Guto vem do corredor para atender. Sonolento e vestindo apenas um calção, Guto abre a porta e se surpreende ao ver que se trata de Dimas e Ricardo.

GUTO (sonolento/sorrindo) – Ah, são vocês…

DIMAS – Eu disse que era cedo demais, Ricardo.

RICARDO – Não fui eu quem se acordou seis horas da manhã e aperreou o outro pra vir pra cá…

GUTO – Briguem aqui dentro, por favor…

Guto abre espaço para a entrada de Dimas e Ricardo.

GUTO – Eu realmente não esperava que vocês viessem tão cedo…

DIMAS – Também não exagera, são quase oito e meia…

Guto aponta para o relógio na parede, que denuncia estar próximo das oito horas. Ricardo tenta segurar o riso.

GUTO – O exagerado aqui não sou eu.

RICARDO – Não me diz que a Luciana ainda tá dormindo…

Luciana entra na sala e se surpreende ao notar a presença de Dimas e Ricardo.

LUCIANA – Eu realmente não esperava que vocês viessem tão cedo…

GUTO – Parem.

Dimas e Ricardo não resistem e riem de Guto. Ele tenta permanecer sério, mas não consegue. Mesmo sem entender, Luciana acaba sorrindo.

CENA 08: CASA DE GUTO E LUCIANA/QUARTO DE LUCIANA/INT./MANHÃ

Luciana fecha a porta do quarto. Dimas e Ricardo estão em pé, de frente para Luciana.

LUCIANA – Antes de tudo, eu gostaria de pedir desculpas pela maneira com a qual eu tratei vocês dois. Fui muito atirada, confesso, mas é porque eu sou assim mesmo. Quem me conhece sabe que eu sou assim, tanto é que eu faço isso com todo mundo e ninguém nunca reclamou.

RICARDO – É… o problema é que não deu tempo da gente conversar. Essa é a verdade. Eu evitava falar porque eu tinha medo de deixar um clima ruim, eu esperava uma oportunidade pra gente sentar e conversar, mas deu no que deu.

LUCIANA – O que nós podemos fazer pra consertar isso? Acredito que seja do interesse de nós três que a gente se trate do mesmo jeito que a gente trata todos os demais membros da Corrente.

RICARDO – Bem, queria que você soubesse que existem pontos fracos.

LUCIANA – Pontos fracos…

RICARDO – Por mais estranho que possa parecer, é algo hereditário. Todos os homens da minha família compartilham do mesmo ponto fraco: a coxa. Tipo herança ligada ao sexo, da biologia, tá entendendo?

LUCIANA – Hm, acho que sim…

RICARDO – Ah, e o pescoço também. Aquele que nunca sentiu arrepios ou cócegas quando tocado no pescoço, que atire a primeira pedra. Mas não em mim, por favor, é só modo de dizer.

Dimas e Luciana riem do comentário de Ricardo.

LUCIANA – Então, existem partes do corpo que são exclusividade do Dimas…

RICARDO – Sim. Exclusividades, mas não só do Dimas.

LUCIANA – Como assim?

RICARDO – Bem, como direi…

DIMAS – Eu digo que só existem três pessoas que têm essas exclusividades.

LUCIANA – Se não for muito invasivo, quem seriam essas três pessoas?

DIMAS – Eu; a mãe dele, claro; e o primo dele.

LUCIANA – O primo?

DIMAS – É… às vezes, a intimidade do Ricardo com o Jonas assusta a gente. Quem vê pensa que eles me botam chifre.

Luciana fica surpresa com o que Dimas lhe conta. Ricardo fica com medo de sua reação.

LUCIANA – Não sou uma psicóloga ou algo do tipo, mas já ouvi falar de casos assim. Pode não parecer, mas eles são até comuns. Os estadunidenses costumam chamar essa relação de “bromance”… traduzido para nós, reles brasileiros nordestinos, significaria “relação entre irmãos” e termos similares. À primeira vista, parecem namorados, mas na verdade são só amigos inseparáveis.

Dimas e Ricardo riem involuntariamente da explicação de Luciana.

DIMAS (rindo) – Só amigos inseparáveis. Coisa pouca…

LUCIANA – Pois é… pode acontecer entre dois homens, duas mulheres, um homem e uma mulher, mas os casos entre dois homens são os mais conhecidos.

DIMAS – Pronto, Ricardo. Já sabemos qual é o nome da cola que te grudou no Jonas.

Os três riem.

CENA 09: FORTALEZA/EXT./MANHÃ

Imagens da Avenida General Osório de Paiva.

Imagens da Praia de Iracema.

Imagens do Porto do Mucuripe.

Fachada da Mansão Andrade da Costa.

CENA 10: MANSÃO ANDRADE DA COSTA/SALA/INT./MANHÃ

Fátima e Gabriel estão conversando na sala de estar, em pé, um de frente para o outro.

GABRIEL – Eu pedi para que você não falasse nada para nenhum dos dois, Fátima.

FÁTIMA – Eu já disse, seu Gabriel, eles merecem saber disso o quanto antes. Eles vão sofrer do mesmo jeito, vão sentir o luto da morte da mãe do mesmo jeito, mas se eles tardarem para saber seria pior. Quando eu tiver a oportunidade eu conto para a Maria, e o senhor não vai me impedir.

GABRIEL – Não seja inflexível, Fátima. Eu estou pensando no Luís e na Maria…

FÁTIMA – Eu também estou pensando no Luís e na Maria, seu Gabriel. Eu continuo batendo na mesma tecla e afirmando que eles devem saber disso o quanto antes, quanto mais cedo eles ficarem sabendo, mais rápido eles superarão o luto.

Gabriel não consegue rebater Fátima.

FÁTIMA – Mas e se eles quiserem explicações sobre o ocorrido, seu Gabriel? O que o senhor vai dizer a eles?

GABRIEL – Vou dizer a verdade, que a mãe deles sofreu um mal súbito e faleceu na minha frente e na frente da minha esposa, sem que nós tivéssemos a chance de socorrê-la.

ALICE – Foi uma cena horrível. Devem ter durado alguns segundos, mas passaram tão devagar para mim que por algum momento eu julguei que ela tivesse agonizado por vários minutos diante de nós dois petrificados, impossibilitados de mover um único músculo até que sua vida se esvaísse. Nunca vi algo parecido em minha vida.

FÁTIMA – Foi um choque de realidade muito grande, pelo visto.

GABRIEL – Fátima, já que a sua decisão foi tomada, eu só posso lhe aconselhar prudência. Pense bem antes de contar a verdade à Maria. Não sei como o Luís reagiu à notícia, mas eu posso afirmar que a reação da Maria pode ser pior.

FÁTIMA – Fique tranquilo, seu Gabriel, serei prudente sim. Maria receberá a notícia no momento mais oportuno.

Fátima sorri para Gabriel e se retira de cena. Gabriel se vira para Alice, que se levanta do sofá e corre para abraçar o marido. A imagem vista na tarde anterior faz Alice entrar em pânico e chorar copiosamente nos braços de Gabriel.

CENA 11: MANSÃO ANDRADE DA COSTA/CORREDOR 2º ANDAR/INT./MANHÃ

TRILHA SONORA: Earth Song – Michael Jackson [INSTRUMENTAL]

Igor sai do seu quarto e flagra Luís sentado no chão, encarando a parede oposta àquela que se oferece como apoio para suas costas. Estranhando aquilo, Igor fecha a porta do quarto e se senta do lado de Luís.

IGOR – Luís?

Luís desperta do transe e olha para Igor.

IGOR – Aconteceu alguma coisa, Luís?

Luís acena com a cabeça, deixando subentendida uma resposta positiva.

IGOR – Você quer falar, desabafar comigo?

LUÍS – Tudo o que eu não queria era chorar…

IGOR – Por quê? O que houve? Aconteceu alguma coisa com a Maria?

LUÍS – Não, felizmente não. Mas aconteceu coisa pior, muito pior… ontem à tarde, o tio foi visitar a minha mãe. Aí depois ele ligou pra Fátima, disse umas coisas pra ela… e eu fui perguntar pra ela o que foi—

Luís para de falar e enxuga as lágrimas que fogem dos seus olhos.

IGOR – Não me diga que a sua mãe—

LUÍS – Eu queria muito dizer isso. Mas não, Igor, a minha mãe morreu.

Igor tenta, mas não consegue pensar em nada que consiga confortar Luís.

LUÍS – Tudo o que eu não queria era chorar a morte da minha mãe… eu tento de tudo, mas não dá… tento imaginar que ela tá num lugar bem bonito, vivendo feliz ao lado do meu pai, sem sentir aquelas dores no peito que ela sempre reclamava… digo pra mim mesmo que ela não ia gostar de me ver chorando por causa dela, mas eu não consigo, a saudade fala mais alto. Acho que, se eu tivesse lá do lado dela, pronto pra atender ao último pedido dela, eu não estaria sofrendo tanto…

Igor e Luís se viram um de frente para o outro e se abraçam. Igor tentava confortá-lo, mas não encontrava palavras de apoio. A trilha sonora vai abaixando aos poucos.

CENA 12: MANSÃO ANDRADE DA COSTA/QUARTO DE IGOR/INT./MANHÃ

Igor volta para o quarto. Alguns segundos de silêncio. De repente, batem à porta. Ele atende e se surpreende ao ver que se trata de Débora.

IGOR – Débora?

DÉBORA (sorrindo) – Senti que eu deveria lhe procurar.

IGOR – Por quê?

Igor permite que Débora entre. E ela o faz. Assim que ela entra, ele fecha a porta do quarto.

DÉBORA – Longe de mim querer lhe pressionar, mas eu acho mais prudente que o nosso relacionamento seja oficializado. Quanto antes melhor.

IGOR – Mas você não ia me esperar?

DÉBORA – Não falo em casar de imediato. E sim contrair noivado. Daqui a alguns meses a barriga já cresce… imagina se a criança nasce antes do casamento?

Igor acena com a cabeça, indicando concordância com o pensamento de Débora. Ela sorri.

CENA 13: MANSÃO ANDRADE DA COSTA/SALA DE JANTAR/INT./MANHÃ

Maria é a única sentada à mesa. Ela está tomando café da manhã. Fátima entra em cena e chama a atenção da moça.

FÁTIMA – Maria…

MARIA – Ah… pois não, Fátima?

FÁTIMA – Eu poderia falar um pouco com você?

MARIA – À vontade.

FÁTIMA – Maria, eu vou ser bem direta.

MARIA (se levantando) – Ai, Fátima, tu já tá me deixando preocupada.

FÁTIMA – Ontem à tarde o seu Gabriel foi visitar sua mãe, mas eles não puderam encerrar a conversa.

MARIA (tensa) – O que aconteceu com a minha mãe?

FÁTIMA – Maria, eu sinto muito, mas sua mãe faleceu.

Maria fica chocada com a notícia que recebeu de Fátima. Ela leva as mãos à boca e desvia o olhar da governanta. As lágrimas já não cabem mais dentro de seus olhos.

CENA 14: FORTALEZA/EXT./MANHÃ

Imagens do Estádio Arena Castelão.

Imagens da Rua Cônego de Castro.

Imagens da Avenida Washington Soares.

CENA 15: CASA DE LARISSA/QUARTO DE RICARDO/INT./MANHÃ

Dimas abre a porta do quarto. Ricardo entra primeiro, seguido de Dimas, e se joga em cima da cama.

RICARDO (sorrindo) – Eu sinto como se eu tivesse tirado um elefante das minhas costas. Olha, a última vez que eu me senti leve desse jeito foi depois do nosso terceiro beijo. Lembra?

DIMAS (sorrindo) – Sim, lembro. Mas eu acho que ainda falta uma coisa pra tu ficar em paz…

Ricardo recorda do que Dimas se referia.

RICARDO – Ah, a minha briga com o tio Jair… se depender de mim, a gente vai ficar assim pro resto das nossas vidas. Eu não vou quebrar esse gelo. Nunca quebrei o gelo durante minhas brigas com o Jonas, não vai ser com o tio Jair que eu vou quebrar.

DIMAS – Sério mesmo que tu vai insistir nessa infantilidade?

RICARDO – Quero ver quem é que vai me fazer ir lá pedir desculpas pra ele…

DIMAS – Olha que eu faço, hein?

RICARDO – Como?

Dimas se senta na cama, ao lado de Ricardo, e leva sua mão até as pernas dele. Imediatamente, Ricardo segura a mão de Dimas.

TRILHA SONORA: Break of Dawn – Michael Jackson

DIMAS – Se o teu orgulho não te deixa fazer isso por ti, então faz isso por mim. Se o teu estado de paz não depende disso, o meu depende.

Ricardo vai soltando a mão de Dimas que, por sua vez, se abaixa e beija o rosto dele. Ricardo não o deixa se afastar, os dois trocam um beijo na boca.

RICARDO – Se é assim, então eu só faço com uma punição.

DIMAS – Nada de punição, Ricardo. É condição.

RICARDO – Enfim, eu vou lá na casa da tia Jéssica falar com o tio Jair, a gente vai conversar direitinho pelo que aconteceu ontem… mas antes tu vai terminar o que tu começou, Dimas…

Ricardo agarra Dimas. Com os corpos colados, os dois se beijam carinhosamente. A cena vai escurecendo aos poucos.

CENA 16: CASA DE GUTO E LUCIANA/QUARTO DE LUCIANA/INT./TARDE

Mesma trilha sonora da cena anterior. A cena clareia. Luciana está deitada na cama, de barriga pra baixo. Guto está em pé, de frente para a cama. Os dois conversam. A trilha sonora vai abaixando aos poucos.

LUCIANA (animada) – Ainda não tô acreditando que o Ricardo me deu a chance perfeita de fisgá-lo, Guto! Graças a essa conversa, eu sei perfeitamente o que eu devo fazer para chamar a atenção dele e afastá-lo do Dimas!

GUTO – Mas como? Pelo que eu entendi, eles falaram justamente como tu não deve se comportar com eles…

LUCIANA – A gente chegou num meio-termo, eles deixaram que eu fizesse algumas coisas que eu já fazia, fiz eles verem o lado inocente da coisa. Com o passar do tempo, eu vou ganhando a confiança deles, vou acabar fazendo algumas coisas agora “proibidas” e eles não vão nem perceber porque não vão ver o lado malicioso da coisa. Vou reconstruindo o meu plano aos pouquinhos e, quando aquele viado desgraçado do Dimas perceber, ele já vai ter tomado um pé na bunda e o Ricardo vai ganhar uma vida normal.

GUTO – Defina uma vida normal pro Ricardo.

LUCIANA – Casado comigo, é claro.

GUTO – Mas nunca te passou pela cabeça que o Dimas faz o Ricardo feliz?

LUCIANA – O Dimas não faz o Ricardo feliz. O Dimas sacia o Ricardo, só isso. A única pessoa que faz um homem feliz é uma mulher. E eu, claro, sou a candidata perfeita. Eu vou fazer o Ricardo entender isso, mesmo que me falte tempo pra fazê-lo feliz. Ele me será eternamente grato por tê-lo salvado.

Guto apenas encara Luciana, que cultiva um farto sorriso no rosto.

CENA 17: FORTALEZA/EXT./MANHÃ

Imagens do Aeroporto Internacional Pinto Martins. Entardece.

Imagens da Avenida Washington Soares.

Imagens da Praia do Futuro.

Fachada da Mansão Andrade da Costa.

CENA 18: MANSÃO ANDRADE DA COSTA/SALA/INT./TARDE

TRILHA SONORA: Earth Song – Michael Jackson [INSTRUMENTAL]

Maria e Luís estão sentados no sofá, encarando o nada. Nota-se o esforço deles para não chorar. Luís vira o rosto para trás e flagra Alice ali, os observando. Imediatamente, Luís se levanta e se vira na direção de Alice.

ALICE – Eu sinto muito…

Luís apenas segue encarando Alice. Maria se levanta e se vira na direção dela: ao reconhecê-la, Maria corre em sua direção e as duas se abraçam. Ao se apartar do abraço, Alice se vira de frente para Luís, esperando que ele venha fazer o mesmo.

LUÍS – A minha mãe morreu na frente de vocês—

ALICE – Não tivemos tempo de reação. Sua mãe teve uma espécie de mal súbito, morreu na hora, não pudemos fazer nada. Eu posso não entender a sua dor, mas saiba que também me doeu.

Estático, Luís continua encarando Alice.

ALICE – O que eu posso fazer para que você me perdoe? Para que vocês me perdoem pelo que eu lhes disse?

Luís corre na direção de Alice e a abraça. Os dois voltam a chorar. Tentando não se comover, Maria resolve sair de cena. Ela sobe as escadas. A trilha sonora vai abaixando aos poucos

CENA 19: MANSÃO ANDRADE DA COSTA/CORREDOR 2º ANDAR/INT./TARDE

Maria já estava se recuperando. Porém, ao passar em frente à porta do quarto de Igor, ela se assusta ao vê-la se abrindo para a saída de Débora. As duas se surpreendem e, ao se reconhecerem, ficam se encarando.

A cena congela e é animada por dois efeitos: à esquerda, com Maria, um efeito preto-e-branco; à direita, com Débora, um efeito dourado.

FIM DO NONO CAPÍTULO.

40 thoughts on “Mundos Opostos – Capítulo 09

  1. Morrendo que eu estava quase acreditando na “regeneração” da Luciana, até perceber que ela continua uma escrota.

    Coitados do Luís e da Maria…

    E só se Pedro Igor for muito idiota para se casar com a Débora… ou se ele sofrer alguma decepção muito grande com a Maria.

    Será que Alice realmente caiu em si?

    Amei a cena da DR entre Carolina e Júlio, realmente, Júlio se abre demais com Helena.

    Ótimo capítulo, apesar de ter sido extensíssimo, fluiu muito bem. Parabéns, Glauce 😀

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    • Grito.

      Aposto que o que vai se suceder nos próximos capítulos vai ser pior.

      Hm, veremos…

      Boatos que fizeram uma encomenda de mudança de personalidade endereçada à Mansão Andrade da Costa. Não sei se isso está interligado, mas…

      Júlio?

      Ai, muito obrigado, Esme ❤ :*

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  2. Acho que perdi alguns capitulos essa semana! Peço desculpas e me defendo com o argumento que agora estou tendo aula de manha e de tarde todo dia, entao acabo nao chegando a tempo de comentar e esqueço de noite. Mas hoje lembrei. Parabéns! 😘

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    • Acho que toda segunda-feira teremos resumão da semana, cordialmente.
      Pois ponha alarme em seu celular para não esquecer do pontinho, ok.
      Muito obrigado pela participação e aguardo ansiosamente pela sua opinião sobre o desenrolar da trama. 😀

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  3. E vimos uma mudança em Alice no capítulo de hoje. Será que essa atitude irá se estender ou é só uma fase por ela ter visto aquela cena horrível, que foi a morte da mãe de Maria e Luiz? Me surpreendi com ela abraçando o jovem. E presenciamos um ataque de ciúmes por parte de Carolina. Ela esta realmente correta em tudo que disse: Jonas esta se abrindo demais com Helena e mal a conhece. Temo que esses ciúmes passem dos limites e a relação entre eles se enfraqueça. Se Igor não se casar com Débora, eu me caso sem pensar 2x. Ela esta fazendo tudo como planeja, mas sempre tem uma pedra no caminho e a pedra da vez é Maria. Esse gancho é sinal de outra briga? Espero que sim.

    Parabéns, Glay! 😀 Ótimo capítulo.

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