Monólogos da Ditadura – Capítulo 07

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Cena 1 – Corredores da Base

Existia um temor incompreendido no olhar de Ulisses, ele nunca esteve tão perto da guerra quanto aquele momento, Dionísio encarava com súplica.

DIONÍSIO: Por favor.

HORÁCIO: Não se preocupe, eu vou falar com os demais integrantes da SOTF…

Dionísio o interrompe segurando seu braço com força.

DIONÍSIO: Não temos tempo!

Ulisses o empurra derrubando Dionísio no chão.

ULISSES: Não toque no Horácio com essas suas mãos imundas!

HORÁCIO: Não fale assim com ele.

Ulisses se ofende.

ULISSES: Deixe de ser ingrato Horácio, eu me preocupo com seu bem estar, vai saber se este homem está falando a verdade.

HORÁCIO: Precisamos confiar nele.

Horácio ajuda Dionísio a se levantar.

HORÁCIO: Nos leve até a clínica, ok?

Dionísio concorda com um gesto afirmativo com a cabeça, enquanto Horácio encara Ulisses.

HORÁCIO: Você vem?

ULISSES: Eu vou sim, mas pra impedir que você prejudique a SOTF.

 

Cena 2 – Sala de reunião da SOTF

Brian e Alf estavam sentados um ao lado do outro e de frente para o Glay. Eles analisavam os documentos da próxima prova, e da prova anterior.

GLAY: Eu não concordo com os métodos dessa prova.

ALF: E por que não?

GLAY: Algumas pessoas teriam chances desiguais, é uma prova injusta.

BRIAN: Glay, você tem que entender que temos que seguir o que foi nos dito, não podemos fugir desse padrão e nem dar asas para a imaginação, as coisas são assim e assim deve permanecer.

GLAY: Eu continuo achando desumano.

ALF: Só resta irmos para a votação.

Glay não conseguia deixar de exibir sua insatisfação pela reunião.

GLAY: Eu sou contra.

BRIAN: Eu sou a favor. – Ele olha para Alf que faz um gesto afirmativo com a cabeça. – São dois contra um, e a prova foi aprovada por dois contra um.

GLAY: Entendo. – Ele aparentava ter desistido de contrapor a ideia, ele estava sozinho naquele local. – E como pretendem coloca-la em prática?

ALF: A ideia da prova é deixar as pessoas sem comida e sem água por uma semana.

GLAY: E as pessoas que reprovaram no exame passado, elas não participam?

BRIAN: As pessoas que reprovaram serão levadas para o subsolo, e serão mantidas com pão e água durante essa semana.

Alf traz uma planilha apresentando juntamente ao lado das provas.

ALF: Todas as provas que foram feitas por caneta foram assinadas, faremos uma chamada dos participantes da próxima prova. – Ele apresenta três provas que estavam com as questões marcadas com furos. – Apenas essa foi feita de maneira diferente.

BRIAN: Achei engenhoso.

ALF: Na entrega das provas peguei os dados dos avaliados, Dionísio e duas crianças. – Ele sorri. – Eles têm potencial, vamos ver como eles se saem nessa prova.

GLAY: Que doentio, submeter crianças a esse tipo de prova.

BRIAN: Você está livre para escolher seus protegidos, lembre-se que seus protegidos não serão submetidos a prova nenhuma e serão salvos automaticamente.

Glay solta um sorriso cínico e se levanta logo em seguida.

GLAY: É só isso?

ALF: Se você não tem nada a mais para acrescentar.

GLAY: Então com licença. – Glay se retira da sala.

E estava decidida a segunda prova de seleção da SOTF.

 

Cena 3 – Aeroporto/Sala de Megan (Estados Unidos)

Richard embarcava no avião, enquanto James e Megan apenas observavam de longe.

JAMES: Filha, precisamos conversar.

Ele a encara seriamente.

Os dois já estavam de volta para a sala de Megan, sentados um de frente para o outro.

MEGAN: E fale logo o que quer me dizer.

JAMES: Está sendo feita uma seleção dos refugiados no Brasil?

MEGAN: Não. – Ela solta um sorriso tentando disfarçar o nervosismo. – Claro que não.

JAMES: Você sabe que estamos sendo pressionados pelo mundo inteiro para prestar auxílio para os países abatidos.

MEGAN: Eu sei disso. – Ela se levanta irritada.

JAMES: Me escute. – Ele se levanta também. – Eu fiquei sabendo que você está fazendo uma seleção, o que é isso?

MEGAN: Não é nada do que você está pensando…

JAMES: Eu não estou pensando em nada, por isso mandei o Richard para o Brasil, pra ele me dizer o que realmente está acontecendo por lá. – Ele levanta o tom de voz. – Filha, eu estou fazendo de tudo para acreditar em você.

MEGAN: Então acredite!

JAMES: Eu não posso deixar esse jogo continuar. – Ele respira profundamente. – Se é que existe jogo, mas essa definição de “ajuda” não se enquadra nos propósitos da ONG.

Megan estava nervosa, a única coisa que ela queria descobrir naquele momento era quem tinha passado essas informações para seu pai.

MEGAN: Pai, não está havendo seleção nenhuma, todos os sobreviventes serão salvos sem discriminação alguma.

JAMES: Eu sei disso.

MEGAN: Por que não vai ao Brasil, ou para um dos outros países abatidos, para ver com seus próprios olhos que não é nada disso do que lhe disseram?

JAMES: Esse é outro assunto importante que precisamos debater, minha filha.

O tom sério na voz de James deixava Megan cada vez mais aflita.

JAMES: Eu não posso viajar no momento, pois estarei assumindo a presidência da SOTF nesse momento.

MEGAN: O que? Eu sou a presidente. – Ela se irrita e acaba jogando todos os documentos da mesa no chão. – Eu sou a dona dessa imundice! Eu sou a rainha desse império. – Ela estava visivelmente descontrolada e revoltada com seu pai.

JAMES: Mas enquanto você não provar sua inocência, a tutela legal da ONG fica aos meus cuidados, afinal eu fui o primeiro ministro das nações do acordo de paz feito em 2020, que ocorreu logo após a segunda bomba explodir no Brasil. – Ele continua. – Eu fundei tudo isso aqui, e você apenas gerencia a meu comando. – Ele pega alguns documentos que estavam junto a sua maleta. – Esses são documentos das nações Europeia, eles receberam tal denúncia, você vai responder a essa “suposta” seleção judicialmente.

Ele entrega o documento enquanto Megan o lê, ela tremia e seu nervosismo era visível.

JAMES: Filha, enquanto isso se resolve, você será afastada da presidência.

Terminado sua conversa, James deixa a sala e Megan começa a destruir tudo enquanto grita.

MEGAN: Desgraçado! Maldito! – Ela quebra alguns vasos, e rasga todos os documentos do processo. – Malditos mendigos brasileiros. – Ela fala com fúria. – Irei descobrir quem me denunciou e vou acabar com sua vidinha imunda!

 

 

Cena 4 – Clínica da Base

Os três seguem a passos largos até a clínica, a primeira visão que tiveram era das portas do caminhão se fechando, Taume estava em um canto chorando baixinho, evitando o máximo possível para que Simenio não a visse, enquanto que Margelli permanecia postada em pé ao lado do general, apenas aguardando o caminhão partir.

SIMENIO: Está feito.

O caminhão ligou o motor, nessa altura, Dionísio já imaginava que Angelique e Magda se encontravam dentro do veículo e ao vê-lo em ponto de partida o fez se desesperar.

DIONÍSIO: Parem esse caminhão! – Ele corre até o caminhão, mas é contido pelos soldados. – Parem esse caminhão. – Ele gritava desesperadamente enquanto tentava se livrar das mãos dos soldados que os prendiam.

SIMENIO: Já chega de se meter nos meus assuntos.

É nesse exato momento que Horácio e Ulisses têm suas presenças percebidas.

HORÁCIO: Ele mandou pararem esse caminhão.

Simenio se assombra com a intervenção de um dos membros da SOTF.

SIMENIO: Como é que é? Você está acatando as ordens desse civil imprestável?

HORÁCIO: Eu estou mandando pararem esse caminhão! – Horácio se manteve seguro, sua voz ecoou num grande silêncio pela clínica vazia de compaixão, e cheia de soldados.

Simenio faz um gesto com a mão, e o caminhão desliga o motor.

SIMENIO: O que pretende agora?

HORÁCIO: Abram as portas.

SIMENIO: Impossível, os enfermos serão transferidos para outra base onde receberão tratamentos médicos mais…

Horácio o interrompe.

HORÁCIO: Abra essas malditas portas! – Ele esbraveja.

SIMENIO: Nada do que você está pensando fazer vai dar certo. – Ele solta um riso enquanto manda alguns soldados abrirem as portas.

As portas são abertas e são reveladas várias pessoas aglomeradas, todas uma por cima das outras em condições desumanas, e no centro estava Angelique com ferimentos graves, sua mão estava sendo segurada pelas mãos de Magda que chorava.

HORÁCIO: Desça-os.

SIMENIO: Essa é uma medida de proteção, não há nada que possa ser feito, nem mesmo por um membro da SOTF. – Simenio faz um gesto para que as portas sejam fechadas novamente. – Eu sinto muito que seus esforços tenham sido em vão.

HORÁCIO: Espera! – Ele grita antes de uma das portas ser fechada. – Desça Angelique e Magda, elas são minhas protegidas.

Simenio se revolta, ele não diz nada, todos ficam o encarando a espera de uma resposta negativa.

HORÁCIO: Margelli, ajude a tirar a Angelique do caminhão!

Margelli encarou Simenio a espera de uma autorização, ou um sinal, ele apenas acena com a cabeça.

Magda e Angelique são retiradas do caminhão.

SIMENIO: Mais alguma coisa? – Ele se aproxima de Horácio. – Você está sendo imprudente, suas atitudes serão levadas ao supremo conselho dos Estados Unidos.

Horácio apenas o encara com uma raiva no olhar, ele tinha uma imensa vontade de chorar, mas não poderia ser fraco naquele momento.

SIMENIO: Fechem as portas! – Ele ordenou.

HORÁCIO: Esperem!

SIMENIO: O que foi agora?

Horácio caminhou com passos lentos, os olhos aflitos de Dionísio e Magda o seguiam até as portas do caminhão, Ulisses permanecia calado enquanto assistia a tudo. Horácio olhou para dentro e vislumbrou várias vidas, inúmeras delas que se acabariam naquele dia.

HORÁCIO: Você. – Ele simplesmente fechou os olhos e apontou para algum lugar vazio, que por coincidência acabou por apontar numa senhora que aparentava ter uns oitenta anos.

GALILEIA: Eu?

Horácio abre os olhos ao ouvir a doce voz daquela velha.

HORÁCIO: Desça do caminhão. – Horácio acaba por derrubar uma lágrima, mas ele a limpa antes que todos percebam. Horácio, como sendo um membro da SOTF tinha o direito de escolher três protegidos que passariam por cima de todo o processo seletivo. – Esses são os meus protegidos. – Ele disse. – Ele usou todas as suas forças para poder salvar três vidas.

SIMENIO: Que ridículo, agora já chega, hora dos demais enfermos partirem, eles precisam de cuidados médicos. – Ele disse num sorriso debochado.

Horácio olha rapidamente para Ulisses.

HORÁCIO: Salve-os. – Ele implorou indo em direção a seu colega de quarto. Horácio cambaleava, suas pernas estavam trêmulas e até que finalmente conseguiu tocar os braços de Ulisses. – Salve, como eu fiz, ao menos três vidas.

ULISSES: Não. – Ele virou o rosto para o lado. – Não vou desperdiçar minha chance de escolha, irei escolher salvar vidas que merecem serem salvas.

SIMENIO: Acho que finalmente acabou.

As portas do caminhão se fecharam, Horácio correu até a parte de metal traseira e se agarrou nela enquanto gritava, mas nada mais pôde ser feito, as pessoas haviam sido levadas.

 

Cena 5 – Corredores da Base

Rythus e Yumi corriam de volta para o dormitório, ela já tinha tomado água, mas sentia-se nervosa, queria encontrar seu Dionísio o quanto antes.

YUMI: Aonde será que ele está?

RYTHUS: Não sei.

YUMI: Eu me sinto sozinha. – Ela revelou.

RYTHUS: Não se preocupe, ele não vai demorar muito a chegar.

Yumi olha para Rythus com os olhos marejados em tristeza.

YUMI: E meu verdadeiro pai, quando ele volta?

Aquela pergunta arrebentou o coração de Rythus de diversas formas, a mão desatenta de Yumi sentiu a mão de Rythus a segurando firme.

RYTHUS: De agora em diante. – Ele suspirou profundamente. – Eu serei seu irmão e meu pai será também o seu pai.

Aquela frase de alguma forma reacendeu a força e a esperança que Yumi tinha perdido em viver, suas mágoas dolorosas se faziam tão presentes, mas sentia-se segura presa a mão de Rythus.

YUMI: Eu nunca tive um irmão…

RYTHUS: Eu tive uma irmã uma vez…

Ela lhe encarou com os olhos cheios de sonhos.

YUMI: E como é ter um irmão?

RYTHUS: É ter um amigo… – Ele derruba uma lágrima ao lembrar-se de Marissa. – É ser amigo mesmo depois de uma briga, é superar as dificuldades juntos, é sonhar junto. – Ele se perde em suas próprias palavras e começa a chorar e falar aos soluços. – Ter um irmão é ter sua alma dividida em dois.

Yumi puxa Rythus com delicadeza até ele ficar frente a frente com ela. Rythus chorava desesperadamente enquanto Yumi a olhava com calma, como se ela estivesse bem e tivesse que acalma-lo naquele momento. O toque suave de Yumi limpando as lágrimas de Yumi jamais seriam esquecidos.

YUMI: Não chore mais. – Ela o abraça. – Eu sou sua irmã agora. – Ela perde-se em lágrimas também. – Eu quero ter minha alma dividida com você.

Os seres humanos acabam por de alguma maneira dividir suas almas, suas emoções, e seus sonhos com alguém, afinal, as vezes é muito difícil carregar tudo isso sozinho.

 

Cena 6 – Dormitório de Kalebe e Jayne

Jayne e Kalebe estavam sentados conversando, Fernanda tinha saído para algum lugar, até então era um mistério.

JAYNE: Estou muito desconfiado com a Fernanda.

KALEBE: Do que está falando?

JAYNE: Ela some as vezes, e depois reaparece como se nada tivesse acontecido.

KALEBE: Eu não acho isso estranho, afinal o Daskvi e a Taume desaparecem e só reaparecem as vezes.

JAYNE: Por favor, né. O Daskvi vive na sala da Angelique, já a Taume vive naquela clínica, mas e a Fernanda? Onde ela fica?

Kalebe não sabia exatamente o que responder, eis que a porta se abre e Daskvi entra.

Kalebe e Jayne o olham apreensivo, Daskvi estava com uma cara de choro, parecia estar perdido, eles tentaram dizer alguma coisa, eles sabiam que Daskvi estava sofrendo com a morte de seu pai, mas antes que algo pudesse ser dito Daskvi os detém.

DASKVI: Eu não estou bem, quero apenas deitar e dormir.

Daskvi vai até sua cama e deita cobrindo-se até a cabeça, Kalebe e Jayne permanecem calados.

 

Cena 7 – Dormitório de Gelon e Tanea

Tanea terminava de vestir-se enquanto Gelon permanecia apenas de cueca deitado na cama, ele olhava para o teto como se estivesse contemplando o vazio que habitava em seu ser.

TANEA: No que está pensando?

GELON: Em nada.

Ele pensava na mulher que tinha agredido, existia alguma culpa que o corroía, ele poderia simplesmente ter pedido a caneta emprestado, ou ter feito qualquer outra coisa, não agir covardemente como agiu, e ele ficava se remoendo várias e várias vezes sobre a mesma coisa, mas nunca chegava a conclusão, talvez quando as pessoas enxergam a morte de perto elas mudam completamente.

Gelon sempre foi um homem impulsivo, mas no fundo era bondoso, na verdade sua bondade era movida a culpa, sempre tinha que fazer algo errado primeiro para depois se mostrar prestativo para tentar acalmar as feridas deixadas por seus atos.

TANEA: Eu queria poder sair daqui, mas não sei se vamos passar todas as provas.

Gelon se levanta e a abraça.

GELON: Nós vamos conseguir. – Existia algo dizendo a Gelon que ele não desistiria por nada, mas aquilo não era motivo suficiente para vencerem.

 

Cena 8 – Clínica

O caminhão levando os enfermos deixou a clínica, Horácio ainda encarava de longe aquele veículo sumindo.

SIMENIO: Bom, está feito. – Dito isso ele vira as costas e sai, junto a ele os soldados também se retiram.

Os soldados que estavam segurando Dionísio o soltam fazendo-o cair no chão, Magda vai correndo até ele, enquanto chorava.

MAGDA: Você está bem? – Ela chorava enquanto o abraçava.

Enquanto os dois conversavam num canto, Taume e Margelli colocavam Angelique numa maca e davam os primeiros atendimentos à administradora.

Horácio ainda estava perplexo olhando o caminhão que sumia no horizonte, Ulisses se aproxima dele e tenta tocar em seu braço.

HORÁCIO: Não toque em mim! – Ele grita.

ULISSES: Eu sempre estive do seu lado, e você ainda continua a me tratar desse jeito.

HORÁCIO: Você não foi capaz de salvar nenhuma daquelas pessoas! – Ele empurra Ulisses com revolta. – Eu consegui salvar apenas três. – Ele chora.

ULISSES: Olhe para essas mulheres que você “salvou”. – Ele olha para Galileia, para Magda, e para Angelique. – Você acha mesmo que elas vão sobreviver? – Ele solta um riso cínico. – Eu não ia salvar um moribundo pra morrer minutos depois.

Horácio acerta um soco em Ulisses e o derruba no chão.

ULISSES: Seu desgraçado! Você vai pagar por isso! – Ele se levanta cheio de raiva, e antes que revide, Dionísio, que tinha percebido a briga, o segura.

DIONÍSIO: Não precisa disso.

Ulisses o encara, vê o rosto de Dionísio manchado de sangue, o vê machucado, e depois olha para Margelli e Taume fazendo de tudo para salvar a vida de Angelique, e em seguida para a velha Galileia, que estava sentada em uma cadeira, com os olhos cheios de lágrimas, eram todos, Ulisses via todos a seu redor lutando, e ainda tentando…

ULISSES: Por que? – Ele tentava ao máximo não chorar. – Por que vocês ainda estão lutando para continuar vivos? – Inevitavelmente uma lágrima rola por seu rosto. – Vocês são pessoas imundas, são deploráveis, por que ainda insistem em viver? Por que querem continuar vivendo e sofrendo?

DIONÍSIO: Nós acreditamos que o mundo pode melhorar. – Ele coloca as mãos sobre o ombro de Ulisses. – Nós acreditamos que as pessoas podem mudar.

Ulisses se desfaz de seus sentimentos, e abandona o recinto em lágrimas, sentia o orgulho ferido, o seu pensamento estava com aquelas várias pessoas mandadas para a morte, sua culpa estava em não ter salvo nenhuma, sua mágoa era não sentir prazer nenhum em viver por isso sentia inveja das pessoas que não tinham motivo algum para continuarem vivendo, mas mesmo assim permaneciam lutando. Ele queria sentir-se vivo, ele queria ser determinado como aquelas pessoas imundas.

Horácio viu Ulisses sair, e permaneceu calado, Dionísio encontrava-se abraçado a Magda.

MAGDA: Você me salvou. – Ela disse a Horácio. – Pela segunda vez. – Ela chorou. – Obrigada.

Horácio também chorou.

 

Cena 9 – Ruas da cidade/Base secundária

O caminhão estava a caminho da então sonhada liberdade. Os passageiros que se encontravam no compartimento traseiro encontravam-se com sorrisos esperançosos no rosto.

“Estamos salvos”, disse uma mulher contente por estar saindo daquela clínica com condições precárias e indo para um lugar melhor.

Do lado dela tinha outra jovem que cuidava de seu pai que estava acamado, “Vai ficar tudo bem”, ela dizia enquanto o acariciava.

O percurso continua por mais longos minutos, quando finalmente o caminhão para em frente a uma pequena base, os soldados que conduziam o veículo descem, eles estavam devidamente vestidos com uma roupa protetora, enquanto os enfermos tiveram que descer do jeito que estavam.

SOLDADO: Desçam rápido.

Uma mulher com uma perna amputada chora desesperada com a maneira como estavam sendo tratados, as pessoas sendo empurradas uma sobre as outras e sendo obrigadas a entrarem naquela pequena sala.

“O que é isso?”, perguntou uma mulher que aparentava ter mais de quarenta anos.

SOLDADO: É uma sala de espera, vocês devem aguardar aqui até os equipamentos de proteção chegarem, a sala é toda fechada, pois assim vocês serão mantidos a salvo de quaisquer contaminação.

E todos entram na sala que ficava no meio do nada, por dentro tudo era escuro, uns do lado dos outros, se entreolhavam assustados.

“Tudo vai ficar bem, papai”, disse uma jovem, deveria ter dezesseis anos. Ela teria seus sonhos interrompidos, ela era uma moça jovem, tinha se oferecido a ir junto com os enfermos para cuidar de seu pai, seu pedido foi concedido.

De uma pequena abertura uma fumaça adentra no local, aos poucos tudo vai ficando escuro, tudo se apaga, os sonhos de milhares de pessoas que foram cruelmente assassinadas pelo ditador na segunda guerra, de nome assombroso, agora tinham companhia, eram sonhos que terminavam ali, vidas que não mereciam ser vividas.

 

Cena 10 – Salão principal

Estava na hora da SOTF divulgar a nova prova para todos os refugiados. Inicialmente foi iniciada uma chamada das pessoas que assinaram suas provas com caneta, as demais pessoas, que não tinham passado no processo seletivo, eram levadas por Simenio e pelos soldados para um andar abaixo, de onde não poderiam mais sair, os demais permaneceram encarando Brian e a ONG soberana.

BRIAN: A próxima prova vai testar o limite de todos.

Alf se levanta e fala sobre a forma como será feita e as regras.

ALF: Durante uma semana vocês serão submetidos a um teste, vocês ficarão sem água e sem comida.

Aos poucos o desespero e as conversas paralelas se espalham causando o caos no lugar, e então Brian grita.

BRIAN: Calados! – Ele respira ao perceber que as pessoas ficaram em silêncio. – Durante o processo alguns alimentos serão fornecidos para algumas pessoas, e se desistirem terão direito a alimentação.

“Mas por que isso?” Alguém perguntou no meio da plateia.

BRIAN: Estamos com problemas no abastecimento de alimentos, precisamos cortar o consumo exagerado. – Ele continua. – A prova acaba daqui uma semana, todos que não desistirem passam para a próxima fase.

ALF: Para desistir basta ir até o refeitório, onde os soldados estarão distribuindo comida para os covardes.

Enquanto os dois falavam, Horácio e Glay permaneciam chocados com a prova.

HORÁCIO: Eu não acredito que decidiram isso. – Ele sussurrou para o amigo.

GLAY: Nem eu.

Ulisses se mantinha distante dos dois, ele ainda estava muito mexido com as várias pessoas que foram brutalmente mortas, mesmo sem presenciar, ele sabia o quão cruel era o destino delas.

 

Cena 11 – Anoitece

As horas se passam e anoitece. A comida de toda a base foi recolhida e guardada por um grupo de soldados.

Horácio voltou para o dormitório junto a Rythus e Yumi, enquanto que Magda teve que permanecer na clínica sob observação da doutora Margelli.

Angelique permanece inconsciente após os tiros que levou de Simenio, sendo que um atingiu sua barriga e outro seu braço.

Daskvi ficou sabendo o que houve com Angelique, mas não pôde ir vê-la, pois foi mandado para o andar de baixo para viver a pão e água, pois não passou para a segunda etapa da prova.

 

Cena 12 – Sala de Simenio/Sala de Megan

Simenio falava com Megan pelo computador.

SIMENIO: O que? Você está me dizendo que já descobriram o esquema de seleção?

MEGAN: Sim, meu maldito pai está desconfiando de mim. – Ela esbravejava sua raiva. – E me tirou da presidência.

SIMENIO: Mas como descobriram?

MEGAN: Foi alguém daí. – Ela encara Simenio pela tela do computador. – Você vai descobrir quem foi e vai eliminar essa pessoa, entendeu?

SIMENIO: Mas como vou descobrir isso?

MEGAN: Dê o seu jeito, incompetente!

SIMENIO: Entendido.

A chamada se encerra, e Megan permanece encarando seu computador, agora ela já não estava mais na sala presidencial, e encontrava-se irritada com o próprio pai.

Monólogo de Megan

Lutar pelos interesses do país não é errado, não é errado ser extremista, ser a favor da seleção da raça pura. O mundo inteiro deveria buscar por um ideal como esse, buscar pela humanidade perfeita, assim as pessoas não sofreriam, pois todos seriam uma única raça, deixaria de existir sofrimento, deixaria de existir crimes, pois a raça nos separou, o povo precisa aprender a seguir um líder, eu devo, e eu sou, a ditadora de dois mundos, afinal, todo mundo clama por um ditador como clamam pela volta de Jesus. Não indo além, eu estou disposta a fazer o papel de Deus, sim! Estou me sacrificando em nome dos bons costumes, vim ao mundo para punir o pecado, para erradicar o mundo das pessoas impuras, em vim em nome de Deus.

 

 

CONTINUA…

62 thoughts on “Monólogos da Ditadura – Capítulo 07

  1. Que coisa, que capitulo emocionante e cruel, concerteza o mais tocante. A cena do pessoal sendo levados para uma sala pequena onde foram mortos me recordou ao filme O Garoto da Camisa Listrada, esse filme me fez chorar de tão triste e cruel eram os ditadores narzistas daquela epoca. Nunca vi tanta lagrima ser derrubada como presenciei nesse capitulo, simplesmente chocante e lindo. Ulisses dando valor a vida e o bom carater de Horacio, demonstrando ser um homem do bem e salvando o maximo de vidas, que nesse caso foram apenas três. Parabéns por esse capitulo que concerteza foi o mais penetrante e emocionante de todos até aqui, parabens Hivan, por saber transmitir essas sensações aos leitores , por fim, parabéns.

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    • Não posso negar que o filme “O menino de Pijama Listrado” foi de uma grande influência, fiquei encantado (na verdade perturbado), mas uso o termo para descrever como o fato que ocorreu foi doloroso pra mim (chorei horrores vendo o filme) e foi algo muito marcante pra mim, fico muito feliz que tenha conseguido encaixar bem na proposta da web.
      Horácio se esforçou ao máximo, mas infelizmente conseguiu salvar apenas 3 pessoas, já Ulisses parece ter sofrido com esses acontecimentos, talvez sinta culpa.
      Gente, muito obrigado mesmo ❤
      Fico muito contente em saber que consegui criar um capítulo emocionante 😀

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    • Foi bastante cruel o que fizeram com os enfermos, e fico feliz que tenha lhe agradado, muito obrigado 😀

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  2. Submeter as pessoas a morte em uma câmara de gás é algo que eu nunca imaginaria e deixar outras sem comida e água é mais cruel ainda, capítulo esplendido com a cena do Horácio e Ulisses e Megan perdendo a presidência, bravíssimo 😀

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    • Muito obrigado, a cena com a câmara de gás era algo que eu imaginava muito fazer, e aos poucos foi moldadas para a estrutura da trama.
      Mais uma vez, brigado 😀

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  3. E vamos ao #MyAnalysis

    Cada capítulo que passa Brian, Alf e Ulisses me dão mais raiva! Principalmente Ulisses, que é o que tem mais destaque entre os três

    Não vou mentir, eu amei saber que o James assumiu a presidência da SOFT, ele sambou na cara da Megan, adoro!

    Horácio conseguiu parar o caminhão e salvar Magda, Angelique e Galileia

    Lindíssima a cena do Rythus com a Yumi, eles conseguem ser maravilhosos

    Agora, não tô sentindo mais tanto ódio do Gelon…

    Por que será que Fernanda sempre desaparece e depois volta, como se nada tivesse acontecido?

    Gente, essa prova é pior que a da caneta, quero nem imaginar qual vai ser a próxima prova

    O que será que Simênio vai fazer quando descobrir a pessoa que entregou Megan para James?

    E esse monólogo, meu Deus, divino, porém fiquei com mais raiva da Megan!

    Parabéns, Hivan!

    P.S: Que atriz você imagina fazendo a Magda?

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    • De fato Brian e Ulisses despertam (na primeira impressão) raiva, mas imaginei que Ulisses, tendo mais destaque, demostrasse que não é uma pessoa totalmente ruim, na verdade ele é um dos personagens mais complexos que já criei, ou me inspirei, é uma mistura de sentimentos, mas vejo nele algo de humano sabe, em alguns determinados momentos.

      Eu imaginava que todos iriam gostar que James assumisse a presidência, mas será que ele vai impedir que essa crueldade continue?

      Horácio fez tudo o que podia, mas não conseguiu salvar a todos.

      Eu amo escrever as cenas de Rythus e Yumi ❤

      Gelon agiu por impulso, resta saber se ele agira por impulso nessa segunda prova também

      E surpresas virão para a próxima prova 😀

      Provavelmente Simenio pode matar essa pessoa 😛

      Esse Monólogo me deixou arrepiado enquanto escrevia, acredito que todo mundo que faz o mau faz pensando que é o certo, e ainda cria justificativas para fazê-lo, é desumano.

      Muito obrigado 😀

      A personagem que imaginei para Magda é Grazi Massafera, mas não está no painel de personagens e nem na abertura, pois sua criação foi só depois que a web já estava em andamento, ou seja, quando a parte artística já estava toda pronta (o mesmo aconteceu com demais personagens).

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  4. A cúpula está dividida: a presidência está passando por uma crise, visto que Megan foi denunciada (não sei porque, mas acho que tem dedo da Fernanda nisso); e os próprios membros da cúpula estão aos poucos desistindo do processo de seleção humana (já vimos indícios de remorso no Ulisses). Brian e Alf estariam em minoria numérica se não fosse a determinação de Simenio em seguir à risca o processo. Bem, ele trabalha a serviço de Megan, com a Megan fora ele corre sérios riscos ali dentro, está desprotegido, mas por enquanto ele ainda está equiparado aos membros da SOTF.

    Incrível o monólogo da Megan. Tal qual o Simenio, ela se agarrou e passou a defender com unhas e dentes uma missão de fins justificáveis, mas meios injustificáveis. Pensando por um lado, a Megan luta pelo que todos nós lutamos, que é a solução dos problemas da humanidade, mas ela se vale de meios extremistas e radicais, que ao menos teoricamente são bem mais práticos e efetivos do que quaisquer outros meios.

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    • Eu nem imagino o motivo pelo qual você desconfia da Fernanda, mas será que foi ela quem denunciou a Megan? E os integrantes da SOTF aos poucos vão desistindo, os que se mantem mais focados são Alf e Brian. Mas será que Simenio desistirá do processo mesmo depois da saída da Megan?

      O monólogo da Megan foi um processo de criação que sempre me remete a “Alvos da Sociedade”, onde eu tento falar por outra pessoa, onde eu tento ver o ponto de vista do outro lado e expor da maneira como ele quer falar. Acontece que as pessoas que fazem coisas ruins nem sempre pensam que estão erradas, pelo contrário, ficam criando justificativas para continuarem agindo da mesma maneira.

      E obrigado 😀

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    • Gente, eu nem tinha percebido que era minha segunda web em menos de três meses, mas vamos lá, eu gostei da pergunta. Eu avalio meu trabalho, inicialmente como uma proposta arriscada, se fosse para um autor estrear da forma como estreei (sem chamadas) eu não iria permitir, seria arriscado demais, mas como sendo minha própria web eu assumi todos os riscos, eu estou avaliando meu trabalho como satisfatório, só não é melhor pelo fato de que não tive tempo de ter uma melhor preparação, eu estou satisfeito com o resultado que venho obtendo e gosto cada dia mais de Monólogos, um carinho que sinto por minhas webs, que só aumenta.
      Obrigado, fico muito feliz que goste do trabalho que venho realizando há um bom tempo já ❤

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  5. Hoje eu sonho que te encontro e você já perdoou. Hoje eu quero… Eu só quero te lembrar do meu amor. Enquanto isso, faço um pedido: Sonha comigo. 🎵

    Em processo de atualização… Parabéns 😀

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  6. Extremamente chocado com o cap. Essas pessoas sendo enganadas e presas morrendo no gás. E essa nova prova desumana. Fora quem n passou como o Deskvi q está sobrevivendo a pão e água

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    • Fico muito feliz que tenha gostado 😀
      As pessoas sendo enganadas e morrendo na câmara de gás foi algo que pensava há um tempo já em recriar.
      Essa nova prova vai fazer muitos sofrerem muito.
      Será que Daskvi ficara bem?

      E muito obrigado 😀

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  7. Mano? – desculpa usar essa gíria, mas foi a primeira coisa que pensei ao ler o monólogo da Megan – Essa mulher é maluca, tem um complexo de inferioridade, é quase uma versão feminina daquele ditador cruel da Segunda Guerra Mundial, que não precisamos citar seu nome. Megan deve ter leão forte no mapa astral pra ser egocêntrica ao extremo como é 😛

    A cena do Horácio enfrentando o cruel Simenio e tentando salvar aquelas pessoas foi tocante, uma pena que ele não poderia fazer muito, ele tem os sentimentos que se precisam em uma situação caótica dessas.

    Alf e Brian são pessoas autoritárias e desumanas, essas sim são incríveis como não tem o coração amolecido por nada, são umas versões do Ulisses só que mais refinados e educados. Inclusive, gostei muito de saber que ele tem chances de se tornar uma pessoa melhor, apesar de ter vontade de matá-lo quando ele se recusou a salvar alguém.

    Que cena triste a da câmara de gás, Hivan 😦

    E essa segunda prova? Provando cada vez mais como essa ONG é desumana.

    Parabéns Hivan! ❤

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