Vida Inteira – Capítulo 17 (Vale a Pena Ler de Novo)

VIDA INTEIRA

escrita por:
GUILHERME SANTOS

CAPÍTULO 17

CENA 01. COLÉGIO VASCONCELOS. INTERIOR. DIA

Continuação da última cena do capítulo anterior.

Alexia se levanta do chão. Milo a ajuda rapidamente. Ela está com os braços um pouco machucados devido ao empurrão. Ela e Amora se encaram, firmes. Todos chocados. Rafael vai até Amora, que bufa de raiva, e a segura.

RAFAEL – O que foi isso, Amora?! Por que você fez isso?!

Amora ignora, tenta se soltar, quer ir pra cima de Alexia.

AMORA – Foi você, não foi?! Fala! Você fez aquilo comigo porque eu te chutei da minha festa, foi uma vingança pessoal!

ALEXIA – (grita) Eu não sei do que você tá falando! Eu não sei!

AMORA – Sabe sim, para de se fazer de desentendida! Eu fui humilhada na minha própria festa por culpa sua, tudo porque você vive se atirando pra cima do meu homem! Sua piranha!

RAFAEL – Amora, você está passando dos limites! Para!

AMORA – (p/Rafael) Eu?! Quem passou de todos os limites foi a Alexia! Quis me humilhar na frente de todo mundo por recalque, por inveja!

ALEXIA – Não, você ficou louca, eu não fiz nada! Eu já tinha ido embora quando aquele balde de tinta e mel caiu em cima de você, e você sabe muito bem por que eu fui embora!

AMORA – Isso não impede nada! Você foi embora, mas voltou pra completar o serviço e acabar com tudo! Você conseguiu, garota, parabéns!

RAFAEL – Eu não estou entendendo! (P/Alexia) Você foi embora da festa mais cedo por algum motivo! Fala o que aconteceu!

ALEXIA – Rafael…

Milo se coloca na frente de Alexia, enfrentando Amora.

MILO – Eu digo! A Alexia só foi embora antes porque a Amora jogou bebida nela, de propósito, na frente de todos! A Alexia estava de boa, curtindo como o resto dos convidados estavam, tudo tranquilo, até a Amora fazer o que fez!

AMORA – Quem é você pra se meter, por acaso? Sai daqui, desinfeta, seu…

MILO – (corta) Nem pensa em terminar a frase! Tá tentando me atingir usando a minha sexualidade, Amora Vasconcelos? (T) Tente outra vez, e lide com isso!

Tempo, reação de Amora, odiosa.

AMORA – Já falei que a minha conversa é com aquela ali, ninguém se mete!

RAFAEL – Eu vou me meter sim. Quero saber por que é que você fez isso com a Alexia, por que derrubou uma bebida nela?

ALEXIA – Por nada! Tudo que ela faz pra me atingir não tem algum fundamento! Eu cheguei agora na cidade e já fui humilhada dessa maneira!

AMORA – Vai se vitimizar agora? Era só isso que faltava pra você se destacar de vez como uma garota sem conteúdo e vazia! Se fazer de coitada é a única defesa que você tem!

ALEXIA – Eu já passei por muita coisa nessa vida e nunca me fiz de vítima por isso, apesar de ser! Sou uma vítima da vida e do destino, mas eu não uso isso pra parecer menor diante de ninguém, e eu tenho orgulho de ser a garota forte que eu sou! Aguentei coisa muito pior em Belo Horizonte, eu vou aguentar isso tudo que você está fazendo comigo, não sei até quando, mas vou… Naquela noite da sua festa, também era a noite do meu aniversário. Você não pensou que pode estar cometendo uma injustiça sem tamanho?!

AMORA – Que se dane, não me importo se era o seu aniversário, isso não é problema meu. Aliás, você é uma completa insignificante nessa cidade e nesse colégio, ninguém está dando a mínima pro seu aniversário. Você quis acabar com o meu momento mas quem vai dar a última carta sou eu!

Abalada com tudo e com tantas acusações, Alexia chora, explode numa mistura de raiva e tristeza.

ALEXIA – (grita) Chega!!! Eu não fiz nada! Não foi eu quem estragou a sua festa! Eu sou inocente!

Amora se aproxima dela lentamente. As duas ficam cara a cara, olho no olho.

AMORA – Eu não acredito em nada que sai da sua boca. (T) Eu vou provar que foi você quem fez aquilo, sabotou a minha festa. E quando eu provar, não vai restar ninguém pra ficar do teu lado.

As duas se encaram mais. Tempo. Alexia abalada, sai correndo dali sem dizer mais nada. Milo vai correndo atrás dela. Rafael pensa em ir, surpreso com tudo, mas Amora percebe e o segura.

AMORA – Você não está pensando em ir atrás dela, está?

RAFAEL – Você foi longe demais. Acusou sem prova. A Alexia nunca faria aquilo com você, apesar de tudo! Nem na festa ela estava mais!

AMORA – Já disse que isso não muda em nada, ela pode ter voltado! Você vai se arrepender de não abrir os olhos a tempo em relação à Alexia. Um dia eu ainda vou mostrar a todos quem ela é, e que eu fui apenas a primeira vítima dela!

Decidida, ela caminha até um banco, perto dali, e sobe nele. Encara todos por cima, firmemente. Os alunos do colégio prestando atenção. Beatriz e Rafael em destaque.

AMORA – (grita) Bando de curiosos… Vocês todos são uma carniça só!

Um aluno grita, em meio a todos.

ALUNO – Cala a boca, ô doce mel rosa chiclete!

Alguns riem. Amora com mais ódio ainda.

AMORA – (grita) Essas piadinhas idiotas vão ter fim por bem ou por mal, eu não vou aceitar, estejam bem avisados! E tem mais: quem ficar compartilhando algum vídeo meu naquele estado deplorável, fazendo gracinha, pode se preparar para um lindo processo.

Os alunos se olham. Amora desce do banco. Close em Rafael, Beatriz, e por último nela.

CENA 02. COLÉGIO VASCONCELOS. CORREDOR. INTERIOR. DIA

Alice e Matheus parados lado a lado, assistindo um vídeo no celular que estava nas mãos de Matheus. CAM vai até o visor do aparelho e revela que era o vídeo de Amora, humilhada. Matheus gargalha, Alice dá umas risadas, contida.

ALICE – Foi uma maldade e tanto de quem fez isso com a Amora, mas rendeu boas risadas. Ela é muito arrogante, alguém deve ter cansado disso e resolveu dar o troco.

MATHEUS – Verdade. Seja quem for que tenha feito, fez serviço bem feito, não podemos negar.

Eles riem mais um pouco. Matheus guarda o celular. Um aluno passa por ali e o cutuca.

ALUNO – Matheus, vamos lá na biblioteca comigo pra você me mostrar o livro que me recomendou.

MATHEUS – Vamos sim. (P/Alice) Te vejo na sala, Alice?

ALICE – Sim, pode ir.

E Matheus sai dali. Alice fica sozinha. Ela ia andando, mas uma mão a para, encostando em suas costas e chamando a sua atenção. Ela se vira para ver o que era e vê Caio, sorrindo.

CAIO – Oi.

ALICE – Caio…

CAIO – Você está bonita hoje. (T) Fofa, eu diria.

Eles dão uma tímida risada. Alice desconcertada.

ALICE – Bonita, eu?

CAIO – Sim. Na festa da Amora mesmo, você estava uma gata.

Alice fica perdida.

ALICE – Poxa… Obrigada, Caio. Muito obrigada.

CAIO – Não precisa agradecer. Enfim, vim aqui mesmo pra te fazer um convite. Não aceito um “não” como resposta, esteja avisada

ALICE – Convite?

CAIO – Sim. Quero que você saia comigo pra fazer um simples lanche depois da aula. O que acha?

Alice sem graça, meio nervosa, surpresa com aquilo.

ALICE – Um encontro à dois?

CAIO – É, acho que sim, praticamente isso. Quero poder conversar melhor contigo. Nada demais, prometo. Topa?

ALICE – Bom… (pensa) Topo. Topo sim.

CAIO – (sorri) Ótimo! Vou te buscar onde você estiver depois da aula então, combinado?

ALICE – Combinado.

Os dois se olhando por um tempo..

ALICE – Preciso ir.

E ela sai, desconcertada. Fecha em Caio, a observando, atento. Logo, ele também sai dali, indo para um lado oposto.

Ao fundo, o foco torna-se Amora, Rafael e Beatriz, que vêm caminhando lentamente pelo corredor.

BEATRIZ – Você já está mais calma agora?

AMORA – Que nada… Estou entalada ainda, queria ter dito mais algumas verdades na cara daquela piranhazinha lá…

RAFAEL – Você está pegando muito pesado ultimamente. Fez uma acusação grave sem ter prova.

AMORA – E você anda muito com porte de advogado pro meu gosto, Rafael. Decide de que lado você está! Comigo não tem meio termo.

RAFAEL – Eu estou do lado que for o certo. Amora, você está muito nervosa agora, melhor se acalmar mais um pouco… Te vejo depois.

E ele vai saindo dali. Ficam apenas Amora e Beatriz. Amora com a cara fechada.

AMORA – Inferno… O Rafael está defendendo muito aquela coisinha pro meu gosto… Não vou admitir isso por muito tempo, não.

BEATRIZ – Esquece isso, tenta se distrair com alguma coisa. Hoje, por exemplo, eu vou numa festinha de dia de semana, coisa boba, umas amigas me chamaram, vai ser com a galera do colégio mesmo. Você não quer ir comigo?

AMORA – Vê se eu tenho cara de que frequenta as festinhas podres que esse povo anda dando, Beatriz, Deus me poupe. Você é quem tem estômago e disposição pra isso, eu não.

Beatriz suspira. As duas se olhando.

CENA 03. COLÉGIO VASCONCELOS. PÁTIO. EXTERIOR. DIA

Alexia saindo do banheiro feminino. Milo ali, do lado de fora, a esperando. Os dois se aproximam e um abraço forte é dado. Alexia com os olhos vermelhos, chorou bastante.

ALEXIA – Não aguento mais isso, Milo…

MILO – Eu sei. Eu imagino a barra que deve estar sendo.

Os dois se soltam, ficam se olhando.

ALEXIA – Eu não fiz nada, eu juro!

MILO – Eu sei muito bem disso, Alexia, não precisa nem me jurar nada, confio em você e eu estava contigo o tempo todo. A Amora está fora de si de te acusar de uma coisa dessas.

ALEXIA – Eu espero de verdade que ninguém acredite nas palavras dela. Eu sei bem o quanto ela é influente no colégio.

MILO – Ela não tem e não vai ter nenhuma prova contra você porque você simplesmente não fez nada. E acusar sem ter provas é inútil, fica tranquila.

Ele mexe nos cabelos dela, a acalma.

MILO – Agora vem, vamos pra aula de educação física na quadra. Tenta se distrair um pouco.

Alexia concorda. Os dois saem dali.

CENA 04. COLÉGIO VASCONCELOS. QUADRA ESPORTIVA. INTERIOR. DIA

Plano geral dos alunos fazendo alongamentos. Todos lado a lado, alguns espalhados por ali na grande quadra. Ao centro, está Sandra, que fazia alguns movimentos para serem repetidos pela turma.

Foco em Alexia e Milo, bem perto um do outro, com roupas mais confortáveis. Eles imitam os movimentos de Sandra, esticam os braços e as pernas, enquanto conversam, em off. Do nada, dois alunos se aproximam dos dois, ficam parados na frente deles.

ALUNO 01 – Alexia, Alexia… Chegou agora e já mostrou a que veio, gostei.

Alexia e Milo param de se exercitar, encaram os dois.

ALUNO 02 – Mostrou pra filha do diretor que não é só ela que manda aqui no colégio, galera gostou de ver, tu vai ganhar moral se continuar assim.

ALUNO 01 – Fez a ruiva pagar o mico do ano na festa dela. Não é pra qualquer um, não. Bem que geral comentou que você só tinha essa carinha de santa mesmo, mas era uma diabinha.

ALEXIA – Chega. Eu não fiz nada, não fui eu quem fez a Amora ser humilhada daquele jeito.

ALUNO 01 – Para de charme, a Amora já espalhou pra todo mundo que foi você. Ela descobriu tudo.

MILO – Não foi a Alexia, a Amora está muito enganada e vai perceber isso. Agora sumam daqui, deixem ela em paz!

Os alunos riem e saem dali, debochando. Alexia e Milo se entreolham, constrangidos. Rafael se aproxima deles. Ele e Alexia ficam frente a frente.

ALEXIA – (sem graça) Rafael, eu nem sei o que te dizer depois de tudo aquilo…

RAFAEL – Eu vim te pedir desculpas pelo show que a Amora deu hoje, te acusando.

ALEXIA – Eu não sou a culpada daquilo tudo, Rafael, juro por tudo, eu não teria coragem. Você acredita em mim? Acredita que eu tô falando a verdade?

RAFAEL – Fica calma… Eu acredito na sua palavra. Você realmente não tem cara de uma pessoa capaz daquilo. Eu vou conversar com a Amora a respeito disso.

ALEXIA – Eu não quero mais problemas pra minha cabeça, esquece isso.

RAFAEL – Eu só quero que você se tranquilize, vai dar tudo certo. Eu vou conversar com a Amora.

ALEXIA – Obrigada, Rafael. Sei que você tem a melhor das intenções.

Os dois se olhando. Rafael sai. Fecha em Alexia, abaixando a cabeça.

CENA 05. LOJA. INTERIOR. DIA

Loja de calçados, lugar mais simples. Esther de uniforme, cabelo preso, atende um casal, sempre sorrindo. Há mais algumas atendentes espalhadas no local. Esther apresenta alguns sapatos femininos para a mulher.

Pouco tempo depois, Juca aparece ali, se aproximando dela.

JUCA – Esther, pode ir até a minha sala quando terminar de atender os dois?

ESTHER – Sim, claro.

E ele sai, sorrindo. Esther se volta para o casal, um pouco tensa.

CENA 06. LOJA. SALA DA DIREÇÃO. INTERIOR. DIA

Juca encostado na mesa, olhando para baixo. Batem à porta.

JUCA – (grita) Entra.

A porta se abre. Esther adentra o local e fecha a porta em seguida. Devagar, ela caminha até Juca.

JUCA – Esther… Sente-se, por favor.

Esther se senta numa cadeira em frente à mesa dele. Juca também se senta em seu lugar, do outro lado da mesa.

ESTHER – O senhor disse pra eu aparecer aqui…

JUCA – Ah, sim, claro.

ESTHER – (preocupada) Eu fiz alguma coisa errada? Sou nova aqui, mas estou pegando o jeito de tudo, posso melhorar no que o senhor quiser, eu…

JUCA – (corta) Fica calma, você não fez nada de errado, seu trabalho é excelente. Quero te parabenizar por isso.

ESTHER – (aliviada) Ah… Poxa, que bom! Fico muito feliz por ouvir isso!

JUCA – Eu tenho certeza que você vai bater todas as metas estipuladas pela empresa, e sem demora! Você parece ser muito dedicada. O seu jeito… É diferente das outras.

ESTHER – Muito obrigada, de verdade. Mas creio que todas as outras vendedoras têm o seu valor, somos uma equipe muito focada.

JUCA – Por falar nelas, você está se dando bem com todas? Aconteceu algo que te magoasse?

ESTHER – Está tudo muito bem, tudo tranquilo. Obrigada por toda essa preocupação.

Juca sorri. Ele fica a olhando por um tempo.

JUCA – Você é muito bonita, Esther…

Esther sem jeito e sem entender direito, o olha.

ESTHER – Obrigada…

JUCA – É casada? Namora?

ESTHER – Não, nenhum dos dois.

JUCA – Estranho. Uma mulher linda como você sozinha assim…

ESTHER – (desconcertada) Eu perdi o meu marido há pouco tempo numa tragédia em BH.

JUCA – Sinto muito. Bom, quero que saiba que se você precisar de qualquer coisa, eu estou aqui. Pode contar comigo.

ESTHER – Agradeço imensamente.

JUCA – Você vai me agradecer ainda melhor com o tempo…

Juca a olha, cínico, dentes cerrados, até que sorri. Esther muito desconcertada, se levanta.

ESTHER – Acho melhor eu voltar pro meu trabalho. Licença.

Juca não diz nada. A olha de cima pra baixo. Esther sai dali, depressa, sem graça.

Corta para:

Esther fecha a porta. Já fora da sala, ela encosta na parede, respirando fundo, tensa. Close em seu rosto.

CENA 07. RUAS. EXTERIOR. DIA

Imagens das ruas da cidade. As horas passam.

CENA 08. COLÉGIO VASCONCELOS. BANHEIRO FEMININO. INTERIOR. DIA

Alexia de mochila, pronta para ir embora, de frente pro espelho, liga a torneira e lava suas mãos. A porta se abre. Ela escuta alguns passos. Logo, quem aparece ali é Amora, também já de mochila. Ela vai para o lado de Alexia, que se vira, incomodada. As duas frente a frente.

AMORA – Sabia que tem gente achando que eu sou a vilã da história?

ALEXIA – Não sei do que você tá falando.

AMORA – Do Rafael, sua tonta! Ele pensa que eu estou mentindo, e que não foi você quem fez eu pagar aquele mico na festa!

ALEXIA – E ele não está errado. Eu não fiz nada, já disse isso mil vezes! Acredita em mim!

AMORA – Para, para de se fazer de vítima! Você tinha todos os motivos do mundo pra fazer aquilo!

ALEXIA – Eu saí da sua festa antes de tudo acontecer, nem vi ao vivo o que houve, fiquei sabendo depois!

AMORA – E daí que você foi embora, garota? Muda o disco! Isso não muda nada, já falei! (T) Se você acha que eu vou sair como a errada da história você está muito enganada, mineirinha. Eu vou provar que você é uma sabotadora de quinta e vai todo mundo se voltar contra você.

ALEXIA – Amora…

AMORA – Cala essa sua boca, sua mineira imunda! O Rafael está estranho comigo por sua causa! Vou fazer você voltar pra sua terra com o rabo entre as pernas! Sua oferecida! Sua piranha!

Alexia fecha a cara, nervosa, vai levantar a mão para dar um tapa em Amora, mas a ruiva percebe, é rápida e a segura fortemente, impedindo-a.

AMORA – Nem pensa em fazer isso, ou eu saio desse banheiro e faço um escândalo lá fora pra você se arrepender amargamente. Ah, e obviamente eu vou fazer você ser suspensa na mesma hora por agredir a filha do diretor. (T) Além de sabotadora é uma pessoa agressiva, que bacana… Você me surpreende a cada dia.

Amora gargalha, solta a mão de Alexia com truculência. As duas se encarando por um tempo. Logo, Amora dá as costas e sai dali.

Alexia sozinha no banheiro, se olha no espelho, não aguenta segurar por muito tempo e acaba chorando bastante, num desabafo consigo mesma.

CENA 09. COLÉGIO VASCONCELOS. PÁTIO. INTERIOR. DIA

Saída em massa dos alunos para fora do colégio. Beatriz sentada num banco, tomando um suco. Um garoto e uma garota ao lado dela, conversam em off. Renato se aproxima, se senta ao lado de Bia, cumprimenta todos.

BEATRIZ – O que você quer, garoto?

RENATO – Fiquei sabendo que você foi convidada pra resenha que vai ter na casa da Roberta hoje à noite.

BEATRIZ – E daí?

RENATO – E daí que eu também fui convidado.

BEATRIZ – Gente, não tenho intimidade com a Roberta, mas não imaginei que ela convidasse pessoas de tão baixo nível pra essas resenhas dela.

RENATO – Então por que será que você foi convidada?

Os outros dois alunos riem, escandalosos, gritam e fazem deboche da resposta de Renato. Beatriz irada, se levanta e sai. Renato vai atrás dela, os dois vão andando.

RENATO – Calma aí. Só devolvi a resposta. Você vai na festa hoje, não vai? Então, resolvi levar uma surpresinha pra mim e pra quem tiver afim.

BEATRIZ – Do que você tá falando?

RENATO – Você vai saber na hora certa. Te vejo lá!

Ele sai de perto. Fecha em Beatriz, curiosa.

Corta para:

Alice e Matheus saindo do colégio, lado a lado. De repente, Caio aparece na frente dos dois.

CAIO – E aí, Matheus. Firmeza?

Matheus apenas dá um sorriso forçado para ele. Caio olha para Alice.

CAIO – Vamos?

MATHEUS – Como assim? Você vai sair, Alice?

ALICE – É, o Caio me convidou pra fazer um lanche com ele depois da aula e eu aceitei.

MATHEUS – Mas a gente tinha combinado de estudar juntos hoje.

ALICE – Amanhã a gente faz isso, Matheus, pode ser?

Matheus não diz nada, apenas concorda com a cabeça, disfarçando mal estar. Ele sai rapidamente. Ficam apenas Alice e Caio. Os dois se observam, sorrindo.

CAIO – Bora…

Os dois vão saindo dali, aos risos.

CENA 10. LANCHONETE. INTERIOR. DIA

Lugar vazio. Numa mesa ao fundo da lanchonete, estão Caio e Alice. Há uma taça grande com suco de açaí ali, os dois tomam direto, pelo canudo, dividindo. Logo, param de tomar e ficam se olhando.

CAIO – Obrigado por aceitar esse meu convite.

ALICE – Caio, me desculpa, mas eu não entendo…

CAIO – Não entende o quê?

ALICE – Isso tudo. Você me tratando tão bem, um verdadeiro cavalheiro. Agora a gente está muito próximo e tudo mais, e não era assim antes. O que você viu em mim?! Você é o cara mais gato e popular do colégio e eu sou uma ninguém ali.

CAIO – Não fala isso. Você precisa se aceitar melhor, Alice. Para de se crucificar tanto. Eu tô curtindo ficar aqui contigo. Você é legal. Estamos nos conhecendo melhor e eu me arrependo de não ter começado a conversar com você antes. Você está me mostrando, mesmo sem querer, que a vida é muito mais do que status, beleza… Mas você é quem está precisando enxergar melhor isso. Mais do que ninguém. Se sinta linda do seu jeito! E não deixe ninguém te dizer o contrário.

Alice tocada ouvindo tudo aquilo, olhos brilhando. Ela sorri.

CAIO – O seu sorriso é tão bonito… Eu sinto uma sensação tão boa quando a gente está junto, conversando. Você meio que me tira de todo aquele tumulto do colégio. Você está se tornando especial pra mim.

ALICE – Eu também gosto de ficar do seu lado. Nunca imaginei que você fosse essa pessoa.

CAIO – Eu vou tentar mudar pra melhor. Tentar ser mais simples, ser mais eu e esquecer tudo que a popularidade pode dar… Quero viver de verdade, sabe? Promete que você também vai tentar fazer o mesmo?

ALICE – A gente pode fazer isso juntos.

CAIO – Viver mais? Eu vou fazer isso se você me prometer que vai se amar mais. Somos tão jovens, Alice… Vamos viver muito ainda, a hora da gente se reconhecer é agora!

ALICE – Somos tão jovens…

CAIO – Conhece uma música com esse trecho?

ALICE – Claro… “Tempo Perdido”, não é?

Os dois dão risada, meio tímidos.

CAIO – Isso! Legião Urbana. Cara, eu sou meio que um fã da banda!

Eles aproximam os seus rostos. Clima.

CAIO – (cantando) Então me abraça forte…

ALICE – (cantando) Me diz mais uma vez que já estamos distantes…

CAIO – (cantando) De tudo.

ALICE – (cantando) Temos nosso próprio tempo…

Os dois se olhando firmemente. Sintonia total.

ALICE E CAIO – (cantando) Temos nosso próprio tempo…

Sonoplastia:

Pra você guardei o amor – Nando Reis

Eles se olham por um tempo. Então, aproximam os seus rostos cada vez mais. Alice nervosa, Caio também. Clima. Segundos depois, por fim, acabam encostando suas bocas uma na outra e o primeiro beijo dos dois acontece.

Tempo neles, se beijando.

CENA 11. RUAS. EXTERIOR. NOITE

Imagens de ruas e avenidas da cidade ganhando movimento, enquanto a noite cai.

CENA 12. APARTAMENTO DE ROBERTA. SALA DE ESTAR. INTERIOR. NOITE

Sonoplastia:

Tove Lo – Disco Tits

Luzes apagadas, um leve jogo de luz ali, música alta, muita bagunça. Cerca de quinze jovens dançam e se divertem, alguns no centro da sala de estar, outros espalhados pelos cantos. Todos com um copo em mãos, ingerindo bebida alcoólica sem parar. Campainha toca repetidas vezes. Uma garota, loira, fios longos, pele branca, e roupa jeans despojada, sai do meio de alguns jovens, rindo atoa, com uma bebida na mão e vai atender a porta. Ao abri-la, dá de cara com Beatriz, que a observa. Foco em Beatriz, insegura.

BEATRIZ – Desculpa o atraso…

ROBERTA – Bia! Que bom que você veio. Entra, faz o favor… A casa é sua.

Beatriz entra, tímida. Roberta fecha a porta e pega no braço de Bia, a arrastando com pressa para a galera.

ROBERTA – Vem, vou te apresentar o pessoal.

E Beatriz entra na roda, todos a cumprimentam. Ela sem graça, sorri timidamente e abraça um por um. Logo, Roberta coloca um copo em suas mãos.

ROBERTA – Toma, vai.

BEATRIZ – O que é isso?

ROBERTA – (ri) É vodka, sua boba! Ah, sem frescura, Bia, vira isso tudo.

BEATRIZ – Virar tudo? Tem muita coisa aqui…

ROBERTA – Assim que é bom. Vai, vira isso tudo! Começa essa resenha com tudo em cima. (grita) Vira! Vira! Vira!

Roberta segue gritando e aos poucos o resto dos jovens, já bêbados, começam a gritar a mesma coisa, acompanhando-a. Beatriz olha para todo o círculo que se formou em sua volta, nervosa. Sem pensar muito, ela fecha os olhos e bebe toda a bebida que estava no copo de uma só vez, fazendo uma cara ruim logo após o término. Já mal, ela joga o copo no chão, fecha a cara. Todos aplaudem.

Todos se espalham mais, voltam a curtir a música, dançando. Roberta se afasta. Beatriz rindo atoa, começa a dançar. Segundos depois, Renato, que estava ali perto, se aproxima dela. Os dois frente a frente.

BEATRIZ – Você veio mesmo, não perde uma boca livre de jeito nenhum, não é?

RENATO – Eu bem vi você virando aquele copo todo de vodka. Não é fraca não. Na verdade provou ser mais forte do que eu pensava.

BEATRIZ – Estou aqui pra me divertir, não estou? Quase nunca bebo, bem de vez em quando, estou com a consciência tranquila.

RENATO – Está certa. A vida é uma só, mas toma cuidado, viu? Fica atenta com tudo.

BEATRIZ – Olha, Renato, hoje eu não quero ninguém me regulando, não, por gentileza.

Renato ri. Ele tira do bolso uma cartela de cigarros e a mostra.

RENATO – Lembra da surpresa que eu te disse?

BEATRIZ – Cigarro? Isso deve ser horrível.

RENATO – Depois que você traga pela segunda vez tudo fica mais fácil, se acostuma… Eu trouxe pra usar contigo. Me ofereceram um dia numa roda de skate e isso acabou sendo constante. Agora quero que você prove junto comigo.

Beatriz o olhando, tensa. Ele vai retirar um cigarro do maço, mas Beatriz o impede, barrando-o com as suas mãos.

BEATRIZ – Não tô afim, valeu.

Ela o encara e rapidamente sai dali, nervosa, indo para outro canto. Renato a observa, fecha nele.

Plano geral da festa.

Corta para:

Beatriz sentada no sofá, com mais algumas garotas, bebendo muito e rindo atoa. Roberta aparece ali e se joga nelas, literalmente, deitando em cima de todas. Sua cabeça fica no colo de Beatriz, as duas se olham por um tempo. Risadas são ouvidas. Em seguida, Roberta se levanta e pega Beatriz pelo braço, saindo dali com ela.

CENA 13. APARTAMENTO DE ROBERTA. BANHEIRO. INTERIOR. NOITE

Porta trancada. Beatriz e Roberta sentadas no chão, rindo muito, bebendo a todo momento.

ROBERTA – Você estava tão tímida quando chegou aqui.

BEATRIZ – Mas agora me soltei muito. O famoso poder que uma bebida dá, nem nego que adoro.

ROBERTA – (direta) Eu vou te dar outro motivo pra se soltar ainda mais.

Rápida, Roberta avança em Bia, sem mais nem menos, e lhe dá um beijo. Beatriz se afasta, levantando-se, assustada. Roberta a segue.

BEATRIZ – Garota, por que você fez isso? Eu não sou lésbica!

ROBERTA – E quem está dizendo que você é?

As duas se olham firmemente. Por fim, acabam se jogando uma na outra, dando um beijo de tirar o fôlego. Elas andam por todo o banheiro, sem parar o beijo por um segundo. Roberta encosta Beatriz numa parede e todo aquele envolvimento segue, esquentando. Então, Roberta tenta tirar a blusa de Beatriz, que impede na mesma hora, parando o beijo.

BEATRIZ – Não, isso não… Eu te dar um beijo é uma coisa, agora ir além disso já é demais. Já disse, não curto mulheres.

ROBERTA – (ri) Tudo bem, fica de boa.

Ela tira algo do bolso e mostra para Beatriz, que encara aquilo sem entender nada. Tratava-se de uma bala.

ROBERTA – Conhece?

BEATRIZ – O que essa balinha significa? Tem algo aí dentro dela, não tem? Duvido que seja uma bala comum.

ROBERTA – Se você quer ficar louca hoje, esse é o caminho. Essa balinha vale ouro, Beatriz. Todos aqui já deram um jeito de ingerir e eu estou te dando a minha de presente. Aceita ou não?

BEATRIZ – Eu não sei. Isso daí… É ecstasy, não é?

ROBERTA – É sim. Seja puro ecstasy hoje!

As duas dão risada. Envolvida, Beatriz pega aquilo das mãos de Roberta. Tensão, suspense em cena. Ela encara a bala por um tempo. Logo, resolve colocar aquilo  na boca e com a ajuda de mais bebida alcoólica do copo, engole a balinha.

CENA 14. RUA. EXTERIOR. NOITE

Rafael passando pela calçada, em direção à sua casa. Sofia aparece na sua frente, saindo de uma rua, o assustando. Os dois se encaram.

RAFAEL – O que você está fazendo aqui, Sofia?! Já disse que não quero papo contigo, pô, me erra.

Então, Sofia se atira nele, pegando-o de surpresa e lhe dando um beijo. Rafael se esquiva, se afastando.

RAFAEL – Você ficou louca?!

SOFIA – Eu só saio daqui quando você escutar tudo que eu tenho pra falar!

Nos dois se olhando.

CENA 15. APARTAMENTO DE ROBERTA. SALA DE ESTAR. INTERIOR. NOITE

Um bom tempo se passa. Beatriz e Roberta saem abraçadas do banheiro, aos risos, e logo vão para o meio da galera, que dança loucamente, e seguem o ritmo de todos. Beatriz está suando, rodando em seu eixo, bagunçando o cabelo. Foco em Renato, as observando. Ele se aproxima de Roberta e a puxa para um canto.

RENATO – O que aconteceu naquele banheiro, Roberta? A Beatriz está estranha.

ROBERTA – Desencana, cara, não aconteceu nada! Ela só experimentou algo do bom e do melhor. Deixa a garota se divertir, os pais dela não estão aqui e hoje ninguém regula ninguém.

RENATO – Você deu alguma coisa pra ela, não deu? Mano, toma cuidado com essas paradas, eu sei o que tá rolando aqui na resenha.

BEATRIZ – Qual é o problema?

RENATO – O problema é que a Beatriz já estava totalmente bêbada e misturando mil coisas de uma vez só, perdeu totalmente a noção.

ROBERTA – Fica tranquilo, Renato, não vai acontecer nada demais e amanhã geral nem lembra disso tudo. Aproveita!

Foco em Beatriz, que segue dando um show. Uma roda se forma para ela. Ela dança muito, rodopeia, bebendo. Então, ela joga o copo para o alto, fazendo toda a bebida derramar nela mesma. Os demais ali, incentivando. Então, Beatriz sobe numa mesinha de madeira que estava no canto da sala, chamando a atenção de todos.

BEATRIZ – Hora de tirar a roupa, pessoal! Vou fazer um striptease!

Todos gritam, a ovacionam. Ela ameaça tirar a camisa, fora de si. Renato corre até ela e a tira de cima da mesa com truculência. Os jovens vaiam.

GAROTO – Deixa a mina tirar a roupa!

Muitos gritos são ouvidos. Renato leva Beatriz para longe deles, perto da porta.

RENATO – O que você está fazendo? Cê tá muito louca, mano, muito louca mesmo, vai dar um PT feio!

BEATRIZ – Me deixa! Você não é nada meu, não manda em mim! Eu quero ficar nua e você não tem nada haver com isso!

RENATO – Você tá se alterando bastante, vai dar merda isso aí.

BEATRIZ – Eu estou cheia de amor pra dar, Renato, mas também estou cheia de lágrimas que querem sair sem parar dos meus olhos.

RENATO – Você não tá falando coisa com coisa, vai pra casa, é melhor.

BEATRIZ – Eu quero dormir pra sempre depois de beber mais um pouco. Me leva pro bar, me dá aquele cigarro ou qualquer outra coisa.

RENATO – Vou pegar água pra você, tentar fazer tu voltar a si!

Renato sai. Beatriz volta para o centro da sala. Todos a recebem e a empurram para uma roda de amigos. Eles voltam a dançar. Todos muito loucos e frenéticos. Alguns fumam. Tempo neles.

Foco em Beatriz, entre todos ali, piscando muitas vezes sem parar. Sua visão começa a ficar turva, ela começa a ficar ofegante, mas segue dançando, demonstrando sinais de cansaço. Tempo depois, as coisas parecem piorar. Ela dá uma volta completa na roda, rodopia e cai no chão, exausta. A música se abafa. Logo, começa a se arrastar para o canto, na parede. Ninguém liga ou percebe o quão ela está mal. Encolhida num canto, Beatriz começa a forçar vômito e acaba por conseguir. Vomita um pouco, e após isso, tomba a sua cabeça no chão, muito fraca. Pupila dilatada em segundos. Ela está muito, muito ofegante, respiração atrapalhada.

Close nela, estirada no chão, enquanto as luzes da festa são jogadas no seu rosto.

Congela em BEATRIZ, numa mistura dos tons rosa e roxo, e o seu rosto se torna a capa de um caderno escolar, marcando o FIM DO 17º CAPÍTULO.

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