Águas Passadas – Capítulo 3 (Vale a Pena Ler de Novo)

CENA 1
Bela Paisagem, praia, exterior, noite.

MARCELO: Quer saber, Glória? Eu me interessei por você. Achei sua história comovente, e você está sofrendo muito. Além disso, você é jovem, linda e muito querida. E ainda por cima está grávida e sem moradia. Se continuar desse jeito, você ainda vai perder seu bebê. Eu vou te fazer uma proposta.

GLÓRIA: Qual?

MARCELO: Você… você não quer vir para o Rio de Janeiro comigo? Eu te dou um lar e pago sua faculdade. Você é jovem, não pode abandonar a faculdade desse jeito. E dinheiro não é o meu problema. Eu estou passando por um momento difícil, e estou sentindo a necessidade de ajudar alguém que precise de mim. Assim me sentirei melhor.

Glória mostra-se surpresa ao arregalar os olhos e levantar as sobrancelhas.

MARCELO: Agora me diga, você aceita minha proposta?

Glória se vê sem saída diante da proposta irrecusável de Marcelo.

CENA 2
Rio de Janeiro, casa de Marcelo, interior, noite.

É mostrada a sala de estar vazia da residência de Marcelo. De repente, ouve-se um barulho de chave e a porta se abre. Marcelo e Glória atravessam a porta e adentram a sala de estar.

MARCELO: Que bom que você aceitou minha proposta, Glória. Eu estou muito feliz.

GLÓRIA: Eu que o diga. Eu realmente nunca terei como te agradecer tamanha bondade. Talvez você seja a única pessoa do mundo que faria uma coisa dessas por uma mendiga que encontrou chorando na praia.

MARCELO: Eu já disse que eu que tenho que te agradecer. Ajudar as pessoas é uma das únicas coisas do mundo que me deixam feliz quando eu estou triste. E, ajudando você, eu também estou me ajudando.

GLÓRIA: Mas mesmo assim… se não fosse o acaso de eu ter te encontrado, eu não sei o que seria da minha vida. Muito obrigada!

MARCELO: De nada. Você merece o que eu estou fazendo. Uma garota jovem e inocente como você não merecia tudo de ruim que aconteceu na sua vida. O ódio de seu pai, a rejeição do pai do seu filho… você não merece nada disso. Você vai ficar aqui em casa o tempo que precisar. Eu realmente me interessei por você e por sua história e eu quero que você seja feliz. Agora, vá tomar um banho e relaxar um pouco.

Uma lágrima de felicidade cai do olho de Glória. Ela abraça Marcelo, que sorri.

MARCELO: Agora vem que eu vou te mostrar onde é o banheiro. Depois que você tomar um banho vou te mostrar onde você vai dormir. É no quarto de hóspedes da casa.

Marcelo começa a caminhar em direção ao banheiro e Glória o segue. Os dois param quando chegam à uma parte do corredor em que há um quadro com a foto de Taís pendurado na parede.

GLÓRIA: Essa é a mulher que te traiu?

MARCELO: Sim. Essa mesma.

Marcelo tira o quadro da parede e o segura em seus braços.

MARCELO: Bem, Glória… o banheiro é naquela porta no final do corredor. Sinta-se em casa.

GLÓRIA: Obrigada.

Glória segue caminhando em direção ao banheiro, quando Marcelo dá meia-volta e começa a andar na direção contrária à do banheiro, chegando até a cozinha. Lá, ele abre a janela do aposento e joga o quadro de Taís com força para fora da casa.

A câmera, agora gravando a parte externa da casa, foca no quadro que agora encontra-se no chão, quebrado. É mostrado, bem de perto, o rosto fotografado de Taís jogado para fora de casa como lixo. Então, de repente, ouve-se a voz de Marcelo.

MARCELO: Eu vou te esquecer, Taís. Ah, se vou.

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CENA 3
Bela Paisagem, casa de Raul e Francine, interior, noite.

Francine está chorando. Raul está ao seu lado, sério como uma rocha.

FRANCINE: Você não está nem um pouco triste com o que você fez? Você expulsou a Glória das nossas vidas! A nossa filha!

RAUL: Ela me desobedeceu. E você sabe que a única coisa que eu não suporto na vida é que me desobedeçam. Ainda mais a minha própria filha. E ela já tem 20 anos, já está preparada para enfrentar o mundo. Olhe a besteira que ela fez! Ela ficou com um traficante e ainda ficou grávida! E não foi por falta de aviso, eu disse para ela que isso ia acontecer! Ela não merece o meu apoio.

FRANCINE: Mas eu a amo! Você nem se preocupou comigo! Eu não vou conseguir sobreviver sem uma filha. Eu vou ficar carente e solitária. Meu sonho sempre foi ter uma filha, e quando eu a tenho, você simplesmente a expulsa de minha vida?

RAUL: Bem, se esse é o problema, eu tenho uma solução.

FRANCINE: Qual? Você vai aceitar a Glória de volta?

RAUL: Não. É só nós termos outra filha.

FRANCINE: O quê?! Raul, você sabe muito bem que eu sou estéril. E, além do mais, eu já tenho 45 anos. Já é difícil uma mulher da minha idade engravidar, agora imagina uma mulher estéril.

RAUL: Simples. É só adotarmos uma menina, igual fizemos com a Glória.

Francine olha para o marido, pensativa.

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CENA 4
Rio de Janeiro, paisagens, dia.

As horas passam e o sol nasce. Já é um novo dia.

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CENA 5
Rio de Janeiro, casa de Ângela e Werner, interior, dia.

Ângela, Werner e Marcelo estão sentados no sofá, conversando.

ÂNGELA: O quê?! Você levou para morar na sua casa uma mendiga grávida?!

MARCELO: Mãe, eu já expliquei. Ela estava passando por um momento muito difícil na vida dela. E ela não é uma mendiga. O pai dela é muito severo e a havia expulsado de casa porque um pivete a seduziu e ela acabou engravidando. Ela não merecia aquilo! E ela vem de uma família nobre, ela não é nenhuma marginal, não.

ÂNGELA: Isso é o que ela te contou! Ela pode muito bem estar mentindo ou planejando te dar um golpe. Você contou para ela que era rico. E, ainda por cima, você está querendo bancar a faculdade dela e assumir o filho dela? Uma garota de 20 anos que não tem nem onde cair morta?

WERNER: Ângela, o Marcelo já tem 38 anos. Ele sabe muito bem o que está fazendo. Já faz um bom tempo que ele virou maior de idade e começou a cuidar de sua própria vida. E muito bem, por sinal. Porque se ele não fosse inteligente, não seria um dos médicos mais ricos e bem-sucedidos da cidade. Se ele quer bancar a garota, ele que banque. Você não tem nada a ver com isso. E ele está ajudando a menina a subir na vida, a ser uma moça de caráter. Ela vai fazer o ensino superior e pelo menos vai ser honesta, trabalhadora. Se ele não fizesse isso, ela ia morar na rua e provavelmente ia virar uma marginal. E ele tem a casa dele. Ele não mora com você, Ângela. Você não pode controlar quem ele vai levar para morar com ele.

MARCELO: Finalmente, pai. Alguém me entende nessa casa!

ÂNGELA: Mas mesmo assim, é loucura você levar alguém que você nem conhece para ir morar com você!

A campainha toca. Jandira atende. É Heloísa, irmã de Marcelo.

HELOÍSA: Oi, gente! Tudo bem?

Ela dá um beijo no irmão e nos pais.

HELOÍSA: O que foi, mãe? Por que você está com essa cara?

ÂNGELA: Conte a sua irmã o que você fez, Marcelo. Vamos ver o que ela acha.

MARCELO: Primeiro que eu não estou nem aí para o que qualquer um de vocês acha. A vida é minha e eu faço o que eu quiser com ela. Mas eu vou contar, afinal a Helô é minha irmã.

Marcelo conta sobre ter levado Glória para morar na sua casa.

HELOÍSA: Nossa. Tudo bem, eu não faria o que você fez, Marcelo, mas eu concordo com o papai. A vida é sua e você faz o que você quiser dela.

MARCELO: Viu, mamãe? Siga o exemplo do seu marido e da sua filha, que são mais maduros que você. Eu vim contar para vocês porque eu quero que vocês estejam a par da minha vida, afinal vocês são minha família. Mas o que eu vou fazer dela quem decide sou eu.

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CENA 6
Rio de Janeiro, paisagens.

Passam-se algumas horas.

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CENA 7
Rio de Janeiro, shopping, restaurante, interior, dia.

Glória e Marcelo estão sentados em uma mesa, em um restaurante, comendo. Em uma das cadeiras, estão várias sacolas de lojas de roupa.

GLÓRIA: Muito obrigada por ter comprado essas roupas para mim. Você está sendo um anjo na minha vida.

MARCELO: Era o mínimo que eu podia fazer, afinal seu pai te mandou embora da sua casa sem nem deixar você pegar suas roupas. Agora pelo menos você tem algumas.

Marcelo segura a mão de Glória.

MARCELO: Glória, eu quero que você saiba que, mesmo tendo te conhecido a pouco tempo, eu já te considero muito.

GLÓRIA: Eu também te considero muito. Afinal, não é para menos. Depois de tudo o que você já fez e ainda está fazendo por mim. Mas escute o que eu estou dizendo: aquele canalha daquele Daniel ainda vai pagar pelo que ele fez.

MARCELO: Daniel é o pai do seu filho?

GLÓRIA: É sim.

MARCELO: Que coincidência, o cara que eu vi transando com a minha mulher também se chamava Daniel. Ele estava consertando o ar condicionado da sala da nossa casa.

GLÓRIA: Estou chocada! Não acredito nisso… que mundo pequeno. É a mesma pessoa. O meu Daniel justamente fazia esses bicos para ganhar uma grana, e um deles era consertar ares condicionados.

MARCELO: Nossa. Mas vamos esquecer esse canalha. O que importa agora é eu e você.

Marcelo e Glória vão se aproximando. Ele a beija.

Do lado de fora do restaurante, Taís observa os dois e escuta a conversa.

TAÍS: Eu não acredito! Esse filho da mãe mal se separou de mim e já está com uma vagabunda? E ainda por cima uma ninfeta grávida? Eu nem sei quem é essa menina, mas já a odeio! Eu vou destruir a vida dessa garota! Claro, tinha que ser uma desclassificada para ser namorada daquele idiota daquele consertador de ar condicionado… se não fosse ele, eu ainda estaria casada!

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CENA 8
Rio de Janeiro, praia de rio, exterior, dia.

Gumercindo sai de seu barco, segurando uma cesta cheia de peixes.

GUMERCINDO: Nossa, quanto peixe eu pesquei hoje! Hoje, o trabalho rendeu. Vou ganhar uma boa grana com essa pescaria.

Gumercindo se lembra de quando sua mulher o ajudava nas pescarias.

*FLASHBACK ON*

Rosana e Gumercindo comemoram e se abraçam dentro do barco. Ela está grávida.

ROSANA: Fazia muito tempo desde que não tínhamos uma pescaria tão boa!

GUMERCINDO: Verdade, meu amor! Você é tão linda que atrai os peixes até você.

*FLASHBACK OFF* 

Mas então outra memória invade a cabeça de Gumercindo.

*FLASHBACK ON*

Hospital, interior, dia.

Gumercindo está chorando, sentado em uma sala de espera de hospital. Um médico aparece.

MÉDICO: Seu Gumercindo, infelizmente aconteceu uma complicação no parto. Como o senhor optou pela vida da criança no lugar da vida da mãe, nós priorizamos o nascimento da criança, e a dona Rosana faleceu. Porém, infelizmente, não tivemos como controlar. O bebê também nasceu morto.

GUMERCINDO (Chorando desesperado): NÃOOOO!!!

*FLASHBACK OFF*

Uma lágrima brota do olho de Gumercindo.

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CENA 9
Rio de Janeiro, paisagens, dia.

Nove meses depois…

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CENA 10
Rio de Janeiro, apartamento de Waldomira, interior, dia.

Daniel e Waldomira estão deitados na cama da madame. Ele está com os braços envoltos na mulher enquanto ela está com a cabeça apoiada em seu peito.

WALDOMIRA: Daniel, eu tenho um pedido a te fazer.

DANIEL: Qual? Fale.

WALDOMIRA: Bem, Daniel… você se lembra de quando me conheceu?

DANIEL: Claro que lembro, meu amor… eu fui fazer um bico lá na xerocaria da sua empresa e lembro que você foi tirar uma cópia de um documento lá. Eu me apaixonei à primeira vista, desde aquele dia eu soube que você era a mulher da minha vida.

WALDOMIRA: Pois é… e, naquele mesmo dia, você me convidou para ir jantar com você, lembra?

DANIEL: Lembro, sim. Você disse que não costumava sair com funcionários, mas que tinha me achado tão lindo que ia me considerar uma exceção

WALDOMIRA (rindo): Exibido! Pois é, eu disse isso mesmo. E, durante esse nosso primeiro jantar, eu te contei que algum dia eu ia ter que ir morar em Los Angeles, né? Que a sede oficial da minha empresa é lá e eu que eu tenho esse desejo antigo de poder coordenar tudo de perto. E, além do mais, a minha mansão lá nos Estados Unidos é bem maior do que esse apartamentinho minúsculo que eu tenho aqui no Brasil.

DANIEL: Sim, lembro bem disso.

WALDOMIRA: Pois é… e esse meu desejo vai se concretizar. Eu vou ir morar em Los Angeles em breve. E eu queria te fazer um convite. Você não quer ir comigo para lá?

Daniel abre um sorriso gigantesco e beija Waldomira.

DANIEL: Tudo o que eu mais quero é passar o resto da minha vida com você. Seja onde for.

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CENA 11
Rio de Janeiro, Hospital Samaritano, interior, dia.

Glória está deitada em uma maca, com vários médicos e enfermeiros à sua volta. Marcelo também está no quarto.

MÉDICO: Vamos, Glória! Faça força, está quase saindo!

Glória geme fortemente.

MÉDICO: Falta pouco, Glória! A cabeça já saiu! Só mais um pouquinho!

Glória grita de dor.

MÉDICO: Ela nasceu! Acabou, Glória. Já pode relaxar! Sua filha nasceu!

Ela sorri, enquanto segura a mão de Marcelo. Os dois se beijam. O médico dá o bebê ensanguentado para uma enfermeira, que o leva até o banheiro do quarto para limpar o sangue.

GLÓRIA: Ela nasceu, Marcelo! A Renata nasceu!

MARCELO: Eu sei, Glória! Eu já estou considerando a Renata como minha filha de sangue! E eu a amo como se fosse. E eu amo a nossa filha tanto quanto amo você!

Os dois se beijam novamente, e Marcelo se ajoelha ao lado da cama onde Glória está deitada.

MARCELO: E o nosso amor é tão grande que eu quero que ele seja eterno. E é por isso que eu te pergunto, Glória. Você quer passar o resto da vida ao meu lado? Quer casar comigo?

Marcelo percebe a feição indecisa de Glória.

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CENA 12
Rio de Janeiro, Hospital Samaritano, corredor, dia.

Taís está no corredor do hospital, em frente ao quarto onde Glória acabara de dar à luz. Ela enxerga a enfermeira levando a filha de Glória até o banheiro que fica dentro do próprio quarto.

TAÍS: É agora, Taís. Você finalmente vai se vingar dessa vagabunda que roubou o seu marido.

Taís tira uma máscara e um revólver de dentro de sua bolsa.

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CENA 13
Rio de Janeiro, Hospital Samaritano, banheiro, interior, dia.

A enfermeira está dando banho na filha de Glória, quando Taís entra, mascarada e segurando um revólver. Ela cobre a boca da enfermeira com uma mão, e com a outra, encosta o revólver na cabeça da mesma.

TAÍS: Me entrega esse bebê ou eu furo sua testa com uma bala.

A enfermeira, assustada e desesperada, entrega o bebê para Taís.

TAÍS: Fica calada até eu sair daqui ou você vai ir cuidar de bebezinhos no quinto dos infernos!

Taís pega a neném, solta a enfermeira e sai correndo. A enfermeira, com medo de ser assassinada, só grita após deduzir que Taís já saiu do hospital.

Um médico entra no banheiro.

MÉDICO: O que houve?!

A enfermeira começa a chorar, desesperada.

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CENA 14
Rio de Janeiro, Hospital Samaritano, exterior, dia.

Taís sai correndo do hospital, segurando Renata nas mãos. Enquanto ela corre com o bebê, tira a máscara e, juntamente com o revólver, guarda-a dentro de sua bolsa.

Taís entra em seu carro e coloca a filha de Glória no banco do carona. A neném chora desesperadamente. Taís dá a partida no carro e começa a andar na velocidade máxima para se distanciar o mais rápido possível do hospital.

TAÍS: Você vai ver só, seu bebê imundo! Você saiu de dentro da vagabunda albina que roubou o meu marido! Agora essa vadia vai ter o que merece.

A câmera foca no rosto perverso de Taís, prestes a fazer uma maldade demoníaca com a filha de Glória. E é com essa imagem que a tela começa a escurecer aos poucos, até que fica completamente negra.

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