Águas Passadas – Capítulo 4 (Vale a Pena Ler de Novo)

CENA 1
Rio de Janeiro, Hospital Samaritano, exterior, dia.

Taís sai correndo do hospital, segurando Renata nas mãos. Enquanto ela corre com o bebê, tira a máscara e, juntamente com o revólver, guarda-a dentro de sua bolsa.

Taís entra em seu carro, e coloca a filha de Glória no banco do carona. A neném chora desesperadamente. Taís dá a partida no carro e começa a andar na velocidade máxima para se distanciar o mais rápido possível do hospital.

TAÍS: Você vai ver só, seu bebê imundo! Você saiu de dentro da vagabunda que roubou o meu marido! Agora essa vadia vai ter o que merece.

CENA 2
Rio de Janeiro, praia de rio, exterior, dia.

Taís estaciona o carro em uma parte vazia da praia. Ela sai do carro, abre o porta-malas e tira de dentro dele uma cesta de piquenique.

Taís fecha o porta-malas, abre a porta da frente do carro, pega Renata (que ainda está chorando) e coloca a neném dentro da cesta.

TAÍS: Agora sua mãe vai aprender a nunca mexer com Taís Cavalcante.

A câmera mostra, em câmera lenta, imagens da cintura para baixo de Taís, que caminha lentamente com a cesta de piquenique nas mãos. Dentro daquela cesta está uma vida, prestes a ser entregue ao destino pela maquiavélica mulher.

As pernas de Taís param de caminhar quando chegam até a beira do rio, onde ela se agacha e, dramaticamente, empurra a cesta para a frente. A cesta começa a boiar na superfície do rio, e é levada pela correnteza para longe.

A câmera foca na cesta que boia pela superfície da água doce que se estende por inúmeros metros quadrados. De repente, o choro que provém de dentro da cesta de piquenique é abafado pela voz de Taís.

TAÍS: Até nunca mais.

A tela escurece aos poucos, até ficar completamente preta.

~

CENA 3
Rio de Janeiro, Hospital Samaritano, interior, dia.

A tela clareia novamente e é mostrado o quarto onde Glória está deitada, com Marcelo ao seu lado, esperando uma resposta.

MARCELO: E aí, Glória? Você aceita ou não se casar comigo?

GLÓRIA (pensamento): Eu não o amo. Mas depois de tudo o que ele fez por mim… seria muita ingratidão minha não aceitar esse pedido. (Fim do pensamento) Aceito.

Marcelo sorri e beija sua noiva.

MARCELO: Eu prometo que a gente vai ser muito feliz juntos. Você não vai se arrepender de ter aceitado meu pedido. Eu amo você!

GLÓRIA: Eu… eu também amo você.

Nota-se um tom de tristeza na voz de Glória.

~

CENA 4
Rio de Janeiro, rio, interior de um barco, dia.

Gumercindo rema seu barco de pesca.

GUMERCINDO (falando sozinho): Hoje, se Deus quiser, a pescaria vai ser boa de novo!

Então, ele enxerga uma cesta de piquenique flutuando no rio. Ele ouve um choro de bebê vindo de dentro dela.

GUMERCINDO: Mas o que é isso?

Ele rema o barco em direção à cesta. Quando ele chega perto dela, pega-a e puxa-a para dentro do barco.

Ele abre a cesta e enxerga Renata lá dentro, chorando. Ele tira o bebê de dentro da cesta e o segura em seus braços. Gumercindo balança Renata até que ela pare de chorar.

GUMERCINDO: Meu Deus! Quem teria a coragem de jogar um bebê no mar?

Uma das piores memórias de Gumercindo invade seu pensamento.

*FLASHBACK ON* – Hospital, interior, dia.

MÉDICO: A sua mulher acabou falecendo, e o bebê nasceu morto.

Gumercindo começa a chorar e, desesperado, se atira no chão.

GUMERCINDO: NÃOOOO!!!

*FLASHBACK OFF*

GUMERCINDO: Só pode ter sido Deus que mandou esse bebê para mim. Ele resolveu levar minha mulher e meu primeiro filho para junto dele, e agora, para não me deixar sozinho, me deu essa criança como presente. Vai ser o filho que eu nunca tive.

Uma lágrima brota no olho de Gumercindo.

 ~

CENA 5
Rio de Janeiro, Hospital Samaritano, interior, dia.

Marcelo está segurando a mão de Glória, quando a enfermeira e o médico saem do banheiro e entram no quarto. Glória percebe que a enfermeira está aos prantos.

GLÓRIA: O que houve?

A enfermeira começa a chorar mais forte.

MÉDICO: Bem… eu não sei como falar isso. É algo muito delicado…

GLÓRIA: Fala! O que houve? Aconteceu algo com a minha filha?! Me fala!

MÉDICO: Bem… uma mulher… mascarada… entrou no banheiro onde a Márcia estava lavando o bebê… e apontou uma arma na cabeça da Márcia… dizendo que se ela não a entregasse a sua filha, ela apertaria o gatilho.

Glória começa a chorar.

ENFERMEIRA (chorando): Eu… eu fiquei com medo de que ela me matasse… eu fiquei desesperada. Ela ia atirar em mim se eu não entregasse a sua filha! Eu fui obrigada a entregar.

GLÓRIA: Nãããão! Eu não acredito! Não pode ser! A minha filha!

Marcelo também começa a chorar.

~

CENA 6
Rio de Janeiro, casa de Gumercindo, interior, dia.

A porta se abre e Gumercindo entra, segurando Renata nos braços.

GUMERCINDO: Eu vou cuidar de você como se fosse minha própria filha. A filha que eu perdi. Não se preocupe. Tudo o que você passou foi uma vitória. Você já é uma vitoriosa. Inclusive, eu vou te chamar de “Vitória”.

Ele sorri e dá um beijo na nova filha.

~

CENA 7
Rio de Janeiro, paisagens, dia.

Dias depois…

~

CENA 8
Rio de Janeiro, Aeroporto Internacional Antônio Carlos Jobim, interior, dia.

Waldomira e Daniel estão na fila para o embarque.

COMISSÁRIA DE BORDO: Boa tarde. O cartão de embarque e o passaporte, por favor.

Waldomira e Daniel entregam seu passaporte e seu cartão de embarque. Ela destaca uma parte do cartão de embarque, a coloca dentro de uma urna e devolve a outra parte para o casal, juntamente com seus passaportes.

COMISSÁRIA DE BORDO #1: Boa viagem.

WALDOMIRA: Obrigada.

Waldomira e Daniel entram no tubo de conexão que liga o aeroporto ao avião e, em seguida, sentam-se em dois acentos na classe executiva do avião. Waldomira aperta o botão que chama a aeromoça.

WALDOMIRA: Eu quero um espumante demi-sec, por favor.

COMISSÁRIA DE BORDO #2: É para já.

A comissária de bordo sai, mas logo volta com uma garrafa de espumante e duas taças. Ela entrega as taças a Daniel e Waldomira e serve os dois de espumante.

WALDOMIRA: Obrigada. (Ela levanta a taça para o alto) À nossa nova vida.

DANIEL: Tintim.

Os dois brindam e sorriem. A câmera vai se aproximando gradualmente da cabeça de Daniel, até que “invade” seu pensamento.

*FLASHBACK ON*

CENA 10
Rio de Janeiro, academia, interior, dia.

Daniel e Glória entram na academia. Os dois estão conversando.

GLÓRIA: Ai, não sei, eu tenho sim um sonho de casar, ter filhos e construir uma família. Mas só daqui a muitos anos. Eu sou nova, estou fazendo faculdade e preciso me estabilizar financeiramente antes de sequer pensar em gravidez.

DANIEL: E eu concordo com você. Um filho a esta altura do campeonato só atrapalharia sua vida. Mas fica tranquila, tudo o que eu mais quero também é formar uma vida com você, meu amor.

Daniel abraça e beija Glória, que ri quando ele começa a fazer cócegas em seu abdômen.

GLÓRIA: Para com isso, amor! Você sabe que eu odeio cócegas!

Daniel larga Glória.

DANIEL: Só paro porque não consigo negar nenhum pedido que vem de dentro dessa sua boquinha linda. Glória, o que eu sinto por você eu acho que nunca senti antes na minha vida inteira.

Ela dá um sorriso e beija Daniel novamente.

GLÓRIA: Agora vamos treinar porque a gente não veio aqui para ficar fazendo declarações apaixonadas. A gente já faz isso todo dia! E eu preciso malhar se eu quiser deixar minha barriga no mesmo nível do seu tanquinho.

DANIEL: É, modéstia parte, minha barriguinha é invejável.

GLÓRIA: Que exibido!

DANIEL: Sabe do que é eu mais gosto de me exibir?

GLÓRIA: Do quê?

DANIEL: Do fato de a garota mais linda desse mundo ser minha namorada.

Os lábios dos dois se encostam novamente e eles ficam ali, por um longo tempo, se beijando.

*FLASHBACK OFF*

 Daniel está com uma expressão séria.

DANIEL (pensamento): Não, Daniel, pare de pensar na Glória! Você precisa esquecê-la. Você está indo viajar para o exterior com uma ricaça. Não se esqueça: você escolheu uma mulher velha como a Waldomira justamente para não correr o risco de acabar se apaixonando por ela como aconteceu com a Glória. Agora, tudo o que você tem que fazer é esquecer que essa menina existiu e seguir sua vida, usufruindo do bom e do melhor.

Daniel assente para si mesmo e volta a tomar seu champanhe.

~

CENA 11
Rio de Janeiro, clínica de Marcelo, interior, dia.

A secretária Valquíria está preenchendo as fichas de alguns pacientes, quando uma mulher velha entra na clínica.

VALQUÍRIA: Olá. Para você?

MERCEDES: Eu preciso falar com o Dr. Marcelo.

VALQUÍRIA: Você marcou uma consulta?

MERCEDES: Não deu tempo, mas é um assunto muito importante.

VALQUÍRIA: Tudo bem. O paciente que tinha consulta marcada com o doutor para agora ainda não chegou, então vou ver com ele se ele pode atender. Aguarde um instante, por favor.

Valquíria entra no consultório de Marcelo.

VALQUÍRIA: Doutor Marcelo, tem uma senhora querendo falar com o doutor, e está dizendo que é algo muito importante. Devo deixá-la entrar?

MARCELO: Claro. Diga para ela entrar.

Valquíria deixa Mercedes entrar e fecha a porta.

MERCEDES: Boa tarde, doutor Marcelo. Eu sou a Dra. Mercedes Cerqueira, uma ginecologista daqui da cidade. Bem, eu vim te fazer uma proposta. É o seguinte: o senhor não deve saber, mas eu tenho um consultório no Leblon. E lá, bem… eu realizo abortos clandestinos em moças que ficaram grávidas sem a intenção.

MARCELO: O quê?! Mas a senhora é uma criminosa! O que a senhora quer comigo?

MERCEDES: Acalme-se, Dr. Marcelo. É o seguinte: as despesas de um consultório no Leblon são muito altas. O aluguel é caro, e ainda por cima com uma secretária. A minha proposta é que nós viremos sócios. Você também começa a atender no meu consultório. Nós dois atendemos lá, e você vira meu parceiro nesses abortos. Afinal, eu já tenho todo o equipamento e medicamento necessário para esse tipo de tratamento e operação. E, acredite, é um ramo que dá muito dinheiro. Eu já ganhei muito, mas muito dinheiro só com esses abortos. Só que, infelizmente, eu fui roubada no mês passado e eu não estou tendo condições suficientes para cobrir todas as minhas despesas. E então? O que o senhor diz da minha proposta? Você vai virar meu sócio ou não?

MARCELO: Mas é óbvio que não! Saia já do meu consultório! Eu não acredito que você está me convidando para participar dessa sua quadrilha. Saia daqui de uma vez antes que eu te denuncie para a polícia!

MERCEDES: Tudo bem, mas se você mudar de ideia, é só me ligar.

Mercedes entrega um cartão para Marcelo e sai do consultório. Marcelo fica observando o telefone no cartão, pensativo.

~

CENA 12
Estados Unidos, Aeroporto Internacional de Los Angeles, interior, dia.

Waldomira e Daniel caminham pelo aeroporto, segurando suas malas.

DANIEL: Esse é apenas o início da nossa nova vida, meu amor!

WALDOMIRA: Ah, se é. Mas e você, já decidiu qual faculdade vai cursar?

DANIEL: O quê? Como assim? Do que você está falando?

WALDOMIRA: Ah, não. Sério mesmo que você ia viver vagabundeando na minha mansão em Los Angeles sem nem mexer a bunda? Mas não mesmo! Eu não sou tão burra. Você vai cursar alguma faculdade aqui em Los Angeles – que eu bancarei, é claro – e quando você se formar, vai trabalhar.

Daniel faz uma cara de espanto.

~

CENA 13
Rio de Janeiro, consultório de Marcelo, interior, dia.

Marcelo está sentado na cadeira de seu consultório, olhando para o cartão de Mercedes, pensativo. Então, de repente, ele tira o telefone do gancho, coloca-o ao lado de seu ouvido e começa a discar alguns números, olhando para o cartão. Ele espera alguns momentos até Mercedes atender.

*TELEPHONE ON*

MARCELO: Alô, Mercedes?

MERCEDES: Sim, sou eu mesma.

MARCELO: Aqui é o Dr. Marcelo… bem, eu queria te falar… eu pensei melhor na sua proposta…

Foco na cara determinada de Marcelo.

~

CENA 14
Rio de Janeiro, apartamento de Marcelo e Glória, interior, dia.

Glória está deitada no sofá, chorando, lembrando-se do dia em que sua filha foi roubada, quando a campainha toca. Ela abre a porta, e Taís entra sem a permissão de Glória.

GLÓRIA: Quem, raios, é você? Pera aí… você não é a…

TAÍS: Eu sou Taís Cavalcante, ex-mulher do cara que você roubou de mim.

GLÓRIA: Ah… então você foi a vagabunda que traiu o Marcelo na própria cama dele…

TAÍS: Escuta aqui, sua piranha safada! A única vagabunda daqui é você, ouviu bem? Que está com o Marcelo só por causa do dinheiro dele.

GLÓRIA: Olha aqui, querida. Você não conhece nem um terço da minha história do Marcelo. Porque se soubesse, saberia que foi ele quem me trouxe para morar com ele. Ele que me convidou. Eu não pedi nada a ele. Não sou uma oferecida interesseira como você.

TAÍS: Olha como você fala comigo, sua vadia! Mas enfim, eu não vim aqui para ficar me rebaixando ao seu nível. Na verdade, vir aqui te contar isso nem estava nos meus planos iniciais. Minha ideia era simplesmente fazer o que eu fiz para me vingar por você ter roubado meu marido e deixar quieto. Você ia sofrer, mas nunca ia saber que eu fui a culpada. Mas eu confesso que não resisti! Me deixei levar pelo forte desejo de ver a sua cara de cachorra quando soubesse que… fui eu quem roubou e matou sua filha!

GLÓRIA: O quê?! Minha filha está morta?!

TAÍS: Isso mesmo que você ouviu! Eu não vou te contar como e nem onde eu matei aquela porca! Porque se eu contar, você vai achar o corpo e capaz de eu ser presa. Eu só queria te contar isso para ter o gostinho de ver você descobrindo que eu finalmente me vinguei de você. Assim, você não tem prova nenhuma do que eu fiz.

GLÓRIA: Sua doente! Insana! Se vingar do quê? Eu nunca fiz nada para você!

Glória, chorando desesperadamente, parte para cima de Taís, que segura e aperta o braço de Glória fortemente, impedindo-a de dar um soco em seu rosto.

TAÍS: Não ouse. Eu sou muito mais forte que você. Mas agora que eu já dei meu recado e que você já sabe que sua filha passou dessa para melhor, meu trabalho já está feito. Passar bem.

Taís solta Glória e vai embora. Glória começa a chorar desesperadamente.

GLÓRIA: Sua louca! Assassina!

~

CENA 15
Rio de Janeiro, estrada.

Taís está dirigindo seu carro, rindo histericamente.

TAÍS: Finalmente! Agora meu trabalho está completo. Me vinguei inteiramente daquela sonsa! A vida dela está completamente ferrada a partir de agora. Está tendo o que merece. Aqui se faz, aqui se paga. Ela rouba meu marido, eu roubo a filha dela. Esse momento até merece uma trilha sonora.

Taís, enquanto ri perversamente igual uma louca, pega uma fita de som. Ela se distrai enquanto coloca a fita para tocar no som do carro e não percebe que o carro foi para o outro lado da rua, ficando na contramão. E ela só percebe isso quando enxerga um caminhão vindo à toda velocidade em direção a seu carro. Ela grita, mas não consegue desviar a tempo. O carro se choca fortemente contra o caminhão, causando um grave acidente.

E é com a imagem da colisão entre os dois automóveis que a tela começa a escurecer aos poucos, até que fica completamente negra.

Deixe um comentário