Águas Passadas – Capítulo 7 (Vale a Pena Ler de Novo)

CENA 1
Rio de Janeiro, Hospital Samaritano, interior, dia.

Taís está deitada na cama do hospital, de olhos fechados. A câmera percorre o corpo da mulher, focando em suas rugas para mostrar que ela está 20 anos mais velha. Porém, a câmera para em frente aos olhos da vilã.

Do nada, suas pálpebras se abrem. Taís se levanta da cama, ficando sentada, e câmera foca em seu rosto diabólico. Fora do quarto, o médico responsável por Taís ouve um barulho e abre a porta.

MÉDICO: Taís, deite-se já! Tenha paciência… eu já te disse que amanhã você já poderá sair daqui.

TAÍS (irritada): Mas por que só amanhã? Eu já estou há um mês acordada e fazendo essa droga de fisioterapia e vocês continuam a me manter presa aqui! Eu quero ver as pessoas que eu conhecia, já fazem vinte anos que eu não as vejo!

MÉDICO: Taís, não se esqueça de que isso foi uma escolha sua… logo que você acordou e eu te expliquei o que tinha acontecido, eu te disse que a sua família poderia vir te visitar, mas você falou que só queria que esse tal de Marcelo soubesse que você acordou após você ter retomado todos os seus movimentos completamente…

TAÍS: Eu sei, é que eu quero ir pessoalmente contar a ele que me acordei.

MÉDICO: Tenha calma. Hoje é sua última sessão de fisioterapia e amanhã mesmo você já vai sair daqui e ir falar com o tal Marcelo. Se você aguentou um mês acordada aqui, aguenta mais um dia. Agora você precisa repousar.

TAÍS: Eu já passei vinte anos repousando, o doutor não acha que já é demais, não?

MÉDICO: Infelizmente, não fui eu que criei o corpo humano. Fique deitada aí, vou mandar trazerem algo para você comer.

TAÍS: Tudo bem.

O médico sai do quarto e Taís continua deitada.~

CENA 2
Rio de Janeiro, Aeroporto Internacional Antônio Carlos Jobim, interior, dia.

O avião de Daniel desembarca no Brasil e ele caminha pelo aeroporto, segurando duas malas.

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CENA 3
Rio de Janeiro, casa de Guilherme e Jandira, quarto do casal, interior, dia.

Jandira está parada na frente da porta do quarto do casal, com um olhar raivoso sendo lançado em direção a seu marido, Guilherme, e sua amante.

GUILHERME: Não é o que você está pensando, Dira! Não é!

JANDIRA (chorando): Como assim, não é o que eu estou pensando? É claro que é! Você está me traindo com uma vagabunda na minha própria cama. É exatamente o que eu estou pensando. Eu nunca pensei que você fosse capaz de fazer isso comigo, Guilherme. Logo eu, que sempre te amei e sempre fui fiel a você. Eu, que dediquei minha vida a você! E ainda se você estivesse me traindo com, sei lá, a Ingrid Guimarães… mas é com essa vadia feiosa!

BRUNINHA: Ei, olha como você fala comigo, sua empregadinha!

JANDIRA: Cala essa boca, sua vadia! Sai da minha casa agora, se você não quiser que eu te tire daqui a vassouradas!

Bruninha se levanta da cama, pega suas roupas e sai do quarto, assustada com as ameaças de Jandira.

JANDIRA: Você não sabe como eu estou decepcionada, Guilherme. Eu vim aqui para casa, toda feliz, pronta para te fazer uma surpresa, e sou surpreendida com meu marido me traindo na minha própria cama. Que decepção, Guilherme. Que decepção.

GUILHERME: Eu não estava traindo, ela era só uma diversão para mim! Você é a mulher da minha vida, eu te amo muito. Tanto que casei com você!

JANDIRA: Quem ama não trai. Agora sai da minha casa! Porque quem comprou essa casa fui eu, você que veio morar nela. Portanto ela é minha. E homem nenhum vai ficar me fazendo de idiota na minha própria casa. Sai daqui de uma vez!

Guilherme se levanta da cama, pelado. Ele pega sua cueca e começa a vesti-la.

JANDIRA: Se apresse, seu traste! Sai daqui de uma vez, eu não quero te ver nunca mais! Eu te odeio, Guilherme. Eu te odeio muito!

Guilherme faz uma cara de vítima.

GUILHERME: Mas e as minhas coisas?

JANDIRA: Quer saber das suas coisas, é? Você vai ver!

Jandira abre o guarda roupa, pega as roupas de Guilherme nas mãos, vai até a janela e as joga na rua.

JANDIRA: Estão lá fora. E vai embora logo antes que alguém as roube!

GUILHERME: Você não sabe o que está fazendo, Jandira. Eu não mereço isso!

JANDIRA: Ah, e você acha que eu mereço ser traída com uma vagabunda na minha própria cama? Sai daqui antes que eu chame a polícia!

Guilherme vai embora. Jandira senta-se na sua cama e começa a chorar. Do lado de fora, Bruninha veste suas roupas e começa a caminhar pela rua.

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CENA 4
Rio de Janeiro, hotel, exterior, dia.

Um táxi para em frente ao hotel. Dentro do carro, no banco do carona, está sentado Daniel. No do motorista, está um taxista qualquer.

TAXISTA: Dá 25 reais, moço.

Daniel tira a carteira do bolso, abre-a e, de dentro dela, pega uma nota de 20 reais e outra de 5. Ele estende o braço em direção ao taxista, que pega o dinheiro.

TAXISTA: Obrigado.

Daniel desce do táxi, junto com suas malas, entra na recepção do hotel e vai até o balcão.

DANIEL: Olá. Eu tenho uma reserva no nome de Daniel Fagundes.

SECRETÁRIA: Olá.

A secretária abre o livro de reservas e procura o nome de Daniel. Quando ela encontra, fecha o livro e tira uma ficha de dentro de uma gaveta.

SECRETÁRIA: Por favor, seu Daniel, preencha este formulário com seus dados.

Ela entrega uma caneta para Daniel, que começa a preencher o formulário. Quando termina, ele entrega o papel e a caneta de volta para a secretária, que entrega uma chave para ele.

SECRETÁRIA: Seu quarto é o de número 104. (Ela chama um homem que estava escorado na parede do hotel) Moacir, leve o senhor Daniel até o quarto dele.

Moacir pega as malas de Daniel, coloca-as dentro de um carrinho de bagagem e começa a caminhar em direção a um corredor. Daniel o segue.

Chegando no quarto, Daniel entrega uma nota de 2 reais para o bagageiro e, quando o mesmo vai embora, fecha a porta. Daniel deita-se na cama do quarto do hotel, cansado.

DANIEL: Ai, que saudade que eu estava de você, Brasil!

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CENA 5
Flat de Glória, interior, noite.

Glória está sentada no sofá da sala de estar do flat, lendo uma revista sobre culinária, quando a campainha toca. Glória se levanta do sofá e caminha até a porta. Ela olha pelo olho mágico e, ao enxergar a pessoa que está do outro lado da porta, demonstra tristeza.

Ela abre a porta e, diante dela, aparece Marcelo.

GLÓRIA: Marcelo, o que você está fazendo aqui?

MARCELO: Bem, eu fiquei sabendo que você estava morando nesse cubículo, e vim dizer para você que eu te desculpo por ter feito essa besteira que você cometeu. Minha mansão ainda está de portas abertas para você. Eu sei que você já deve estar arrependida de ter saído lá de casa, e pode ficar tranquila, porque eu ainda te amo. Vem comigo, Glória. Volta pra casa. Eu sei que você ainda me ama. Pare com essa loucura de tentar enganar a si mesma.

GLÓRIA: Não, Marcelo. Pare de dificultar as coisas. Isso só vai ser ruim para você. Eu já te disse que eu não te amo, nem nunca te amei, por mais que eu tenha tentado. Infelizmente, não consigo gostar de você como marido. Eu não vou voltar para a mansão. E, por favor, Marcelo, pare de me procurar. Você só está fazendo mal para si mesmo desse jeito.

MARCELO (aumentando o tom): Não, Glória! Você não pode ficar nesse cafofo! Seu lugar é ao meu lado, lá na mansão! Volta comigo. Agora!

GLÓRIA: Não, Marcelo. Você sabe que sou muito grata por tudo o que você já fez, porém, eu vou tomar rumo na vida. Vou buscar minha felicidade. Por favor, não torne isso mais difícil. Vai embora.

Glória fecha a porta e volta para o sofá. Ela, então, coloca as mãos na cabeça, se sentindo mal pelo que fez.

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CENA 6
Rio de Janeiro, paisagens, dia.

Um dia depois…

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CENA 7
Estação de metrô do Rio de Janeiro, interior, dia.

Jandira está esperando o metrô ao lado de Tatiana, que é sua melhor amiga. As duas estão de pé, paradas, em frente aos trilhos.

JANDIRA: …e então eu expulsei aquele traste da minha casa. Ele que vá ficar com as periguetes dele bem longe de mim.

TATIANA: Mas o que importa é que pelo menos você descobriu que o Guilherme estava te traindo. Imagina só se você nunca descobrisse?

JANDIRA: Pois é, é a única coisa que me consola. E o pior é que, sem o salário que o Guilherme ganha, tá sendo duro eu conseguir me sustentar com esse mísero salário de empregada doméstica que eu ganho lá na casa do seu Werner e da dona Ângela.

TATIANA: Ué, mas por que você não pede um aumento para eles? Já faz vinte anos que você trabalha lá, você não acha que merece um aumentinho?

JANDIRA: Verdade, você está certíssima, Tati. Eu vou pedir um aumento hoje mesmo.

TATIANA: Não, amiga. Calma! Espera um dia em que seus patrões estejam de extremo bom humor, daí é mais provável que eles aceitem seu pedido. Porque se você pedir em um dia ruim, já era o tão sonhado aumento. Ainda mais que, pelo que você fala, esse tal de Werner aí é mais mão de vaca do que o casco da Mococa.

JANDIRA: Vixe, pior que é verdade.

TATIANA: Mas analise bem o humor deles. Se hoje eles estiverem de bom-humor, peça hoje mesmo o aumento. Se não, é melhor esperar.

JANDIRA: Tudo bem, Tati. Obrigada pelas dicas.

De repente, o metrô aparece no fim do túnel e chega até onde Tatiana e Jandira estão paradas. A porta do trem se abre e as empregadas entram nele. Então, as portas se fecham o metrô segue em frente.

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CENA 8
Rio de Janeiro, flat, interior, dia.

A porta do apartamento se abre, e então Daniel entra com uma corretora de imóveis.

CORRETORA: Então, seu Daniel, é esse o flat que eu tinha falado pro senhor. Ele já é mobiliado, é super bonitinho, e é muito em conta. Tem um banheiro, uma cozinha americana acoplada à sala de estar e um quarto com cama de casal. É exatamente o que o senhor me falou que estava querendo alugar.

DANIEL: Verdade. Eu gostei bastante desse AP, é bem o que eu estou procurando. É só para eu morar sozinho mesmo. Acho que vou ficar com ele sim. A senhora pode arrumar a papelada que amanhã mesmo eu me mudo para cá.

CORRETORA: Tudo bem, negócio fechado então. Vou preparar a papelada para você.

Daniel abre um sorriso.

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CENA 9
Bela Paisagem, casa de Raul e Francine, quarto do casal, interior, dia.

Raul e Francine estão deitados na cama do casal, dormindo. De repente, Francine se acorda e abraça o marido, beijando seu rosto. Ele também se acorda.

FRANCINE: Bom-dia, meu amor.

RAUL (seco): Bom-dia.

FRANCINE: Ué, o que houve?

RAUL: O que houve com o quê?

FRANCINE: Raul, faz mais de quarenta e cinco anos que, todas as manhãs, eu te dou bom-dia e você me responde o mesmo. Ou seja, eu sei quando há algo de diferente em sua entonação. Eu sei que você está encucado com alguma coisa. Conte-me o que é.

RAUL: Ah, é que ontem eu simplesmente não encontrava minha camisa roxa… sabe aquela que eu comprei em Buenos Aires?

FRANCINE: Sei, sei sim… mas não tem problema, meu amor. Hoje mesmo eu pergunto para a faxineira se ela sabe onde está a camisa.

RAUL: Não, mas não é isso, meu amor. Eu encontrei a camisa… lá no porão.

Francine arregala os olhos e aparenta nervosismo.

FRANCINE: E…?

RAUL: E, embaixo da camisa, tinha uma caixinha de madeira bem estranha. E ela está trancada com um cadeado.

Francine fica mais nervosa ainda e começa a balbuciar.

FRANCINE: Como assim? Caixinha? Não sei de que caixa você está falando… lá no porão não tem caixa nenhuma.

RAUL: Tinha sim…

Raul se levanta da cama e vai até o guarda-roupa. De dentro dele, ele tira a famigerada caixinha e a mostra para Francine. A câmera dá um close no rosto preocupado da mulher.

RAUL: Ué, por que você ficou tão nervosa, Fran? Você por acaso sabe o que tem aqui dentro?

FRANCINE: E… eu?! Não! Eu nem fazia ideia da existência dessa caixa! Não deve ter nada dentro, Raul… jogue-a no lixo.

RAUL: Tem sim, Fran…

Raul sacode a caixa e ouve o barulho de algo batendo nas extremidades do objeto.

FRANCINE: Para que você quer tanto saber o que tem aí dentro, meu amor? Pode ser perigoso! E se tiver uma bomba? Esqueça que isso existe, jogue a caixa no lixo. Não se esqueça de que a curiosidade matou o gato.

RAUL: Ainda bem. Porque eu não sou gato. Eu sou um homem. E eu vou descobrir o que tem aqui dentro.

Foco na expressão apreensiva de Francine.

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CENA 10
Rio de Janeiro, mansão de Marcelo, interior, dia.

Marcelo entra na garagem da mansão e enxerga apenas o seu carro dentro dela. A outra metade da garagem está vazia.

MARCELO: Nossa, isso aqui tá tão vazio sem o carro da Glória. Esta casa está vazia sem ela. Mas quer saber, eu é que não vou ficar sofrendo por essa interesseira.

Marcelo tira seu celular de dentro do bolso e começa a discar alguns números.

*TELEPHONE ON*

MARCELO: Alô, Bruninha? Você está livre para um programa nesse exato momento?

BRUNINHA: Tô sim, garanhão. Pra tu, eu tô sempre livre. Inclusive, tô aí pertinho da tua casa. Posso passar aí. Mas vai preparando a grana porque nessa hora do dia é mais caro.

MARCELO: Tá, tudo bem. Estou te esperando aqui.

*TELEPHONE OFF*

Marcelo guarda o celular no bolso novamente. Ele volta para sala de estar da mansão e espera por uns vinte minutos, até que a campainha toca. Ele se levanta do sofá onde estava sentado e vai caminhando até a porta. Ele a abre e Bruninha, a prostituta para quem ele ligara, adentra a casa. Quando Marcelo fecha a porta, a prostituta já começa a beijá-lo loucamente e a desabotoar sua camisa. Ele começa a passar a mão pelo corpo de Bruninha.

Fica subentendido que os dois fazem amor.

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CENA 11
Rio de Janeiro, cantina da universidade Louis Pasteur, interior, dia.

Breno, filho de Heloísa e Juarez, caminha pela cantina, segurando uma bandeja com um prato de comida e um copo de suco. De repente, Vitória, a menina que foi encontrada dentro de uma cesta em um rio e foi criada por Gumercindo, adentra a cantina e, sem querer, esbarra contra Breno e sua bandeja de comida cai no chão. Ela faz uma cara de espanto e os dois se abaixam para juntar a comida.

VITÓRIA: Nossa, mil desculpas! Eu devia olhar melhor para onde ando. Foi sem querer, desculpa. Eu pago pelo seu almoço que eu derrubei. Desculpa mesmo!

BRENO: Não, capaz. Nem esquenta com isso. A culpa foi minha. Eu que devia ter desviado. Fica tranquila.

VITÓRIA: Não, imagina! Eu faço questão de pagar, eu que derrubei.

BRENO: Bem, eu sei um jeito de você se desculpar sem ter que pagar pelo meu almoço. Mas primeiro, qual o seu nome?

VITÓRIA: É Vitória.

BRENO: Prazer, Breno.

Breno, sorrindo, aperta a mão de Vitória.

BRENO: Então, Vitória, sai para jantar comigo um dia desses que daí eu desculpo você pelo que você fez.

Vitória dá uma risadinha.

VITÓRIA: Tudo bem, então. Vou te dar meu telefone, daí você me liga e a gente combina um dia desses. Vai ser um prazer.

Vitória pega um guardanapo de uma mesa da cantina, tira uma caneta do bolso e começa a escrever seu número de telefone no guardanapo. Ela, então, entrega-o para Breno, que o guarda em seu bolso.

BRENO: Tudo bem, então, Vitória. Eu ligo para você.

Os dois lançam um sorriso um para o outro.

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CENA 12
 Rio de Janeiro, casebre da falecida mãe de Guilherme, exterior, dia.

Um táxi para em frente ao casebre. A porta do motorista do carro se abre, e de dentro dela, sai Guilherme. Ele caminha até a porta de entrada do casebre, e a abre. Guilherme adentra o casebre, com uma mala de roupas nas mãos. Ele, então, fecha a porta e larga sua mala no chão.

GUILHERME: Eu sabia que não devia vender esse cafofo que eu herdei da mamãe. Eu tinha certeza de que algum dia ele seria útil para mim. E até que ele é bem confortável. (T) Nossa, que calor.

Guilherme tira os sapatos, o cinto e a calça, joga-os no chão e desabotoa a camisa. Só de meias, cueca e camisa desabotoada, ele deita-se em um sofá velho que está dentro do casebre. Ele, então, tira uma lata de cerveja de dentro de sua mala, abre-a e começa a tomá-la.

GUILHERME: Ô vida boa.

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CENA 13
 Rio de Janeiro, mansão de Marcelo, quarto do casal, dia.

Marcelo e Bruninha estão deitados na enorme cama de casal que fica no centro da suíte máster da mansão de Marcelo, cobertos por um lençol escuro. Ela está com a cabeça escorada no peito do ginecologista.

Marcelo estica o braço e abre uma gaveta da mesa de cabeceira e de dentro dela, tira um maço de cigarros. Ele abre o pacote e tira um cigarro de dentro dele. Ele coloca o cigarro na boca e, com um isqueiro que acabara de pegar de cima do criado-mudo, o acende.

MARCELO (Mostrando o maço para Bruninha): Quer um?

BRUNINHA: Não, eu não quero cigarro. Eu quero é o meu pagamento.

MARCELO: Mas você é uma vagabunda mesmo, hein? Mal completou o serviço e já quer o dinheiro, é?

BRUNINHA: Marcelo, esse é o meu trabalho. E eu quero meu dinheiro.

Marcelo se levanta da cama só de cueca, veste uma camisa que estava em cima de uma cadeira no quarto e se dirige até o guarda-roupa. Ele se abaixa, pega uma pequena chave que estava escondida sob algumas cuecas dobradas e caminha até a cama. Abaixado, Marcelo tira de baixo dela um cofre.

MARCELO: Quanto você quer?

BRUNINHA: Mil reais.

MARCELO (Rindo ironicamente): Há-há-há. Eu nunca pagaria mil reais para ficar com uma prostituta ralé como você. Me fala logo qual o valor que você tá cobrando que eu te dou. Não tenho tempo para essas palhaçadas.

BRUNINHA: É mil reais e ponto, seu idiota. Eu cobro de acordo com o poder aquisitivo dos meus clientes e sei que tu é ricaço… Eu te avisei que essa hora do dia era mais caro. E tu vai me pagar esse dinheiro, sim. Tu não sabe do que eu sou capaz.

Marcelo vai até Bruninha, furioso, e fecha as mãos no pescoço da prostituta, ameaçando estrangulá-la.

MARCELO: Você é que não sabe do que eu sou capaz, sua garota de programa de quinta. Se eu te pagar trezentos reais, já vai ser demais. Diz logo quanto tu quer.

BRUNINHA (Com a voz rouca por causa do sufocamento): Tá bom, Marcelo… me dá duzentos então que eu vou embora.

Marcelo larga o pescoço de Bruninha e volta a caminhar em direção ao cofre. A garota se levanta da cama, só de calcinha e sutiã, e começa a caminhar em direção à sua roupa, que está caída no chão. Enquanto Marcelo está distraído com o cofre, ela tira um canivete de dentro de sua bolsinha preta e caminha em direção ao ginecologista. Ela, então, chega nele por trás e encosta o canivete em seu pescoço.

BRUNINHA: Ou você me dá os mil reais ou eu te mato.

MARCELO: Tudo bem… calma, Bruninha. Não faça nenhuma besteira. Eu estou pegando o dinheiro.

Com movimentos lentos, Marcelo coloca as mãos dentro do cofre e começa a pegar alguns bolos de dinheiro, colocando-os no chão.

MARCELO: Estão aí os mil reais. Pode conferir.

Bruninha afasta o canivete do pescoço de Marcelo e se aproxima dos bolos de dinheiro que estão no chão. Com o canivete na mão direita, ela pega o primeiro bolo com a mão esquerda para contar. Quando ela está distraída contando o dinheiro, Marcelo pula em cima da garota e a faz cair deitada no chão, imobilizando-a enquanto ela grita. Ele consegue tirar o canivete das mãos da prostituta.

Marcelo vira o corpo da garota, que outrora estava de bruços, e deixa-a de barriga para cima. Bruninha continua gritando por socorro enquanto Marcelo aproxima o canivete do peito da mulher.

A câmera foca apenas no rosto de Marcelo.

MARCELO: Isso é para você aprender que nunca se deve mexer com Marcelo Dornelles.

Marcelo levanta o canivete para cima e, de repente, o empurra para baixo novamente; repetindo esse movimento várias vezes. À medida que os movimentos fatais vão acontecendo, gotas de sangue vão sendo respingadas no rosto diabólico do ginecologista.

De repente, os gritos de Bruninha cessam.

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CENA 14
Rio de Janeiro, casa de Ângela e Werner, interior, dia.

Ângela abre a porta da casa e entra, segurando diversas sacolas. Seu marido, Werner, está sentado no sofá lendo o jornal, enquanto Jandira varre a sala.

ÂNGELA: Olá, Werner. Fui no shopping e fiz compras em quase todas as lojas de lá. Compras são as coisas que mais me deixam feliz na vida! Nossa, fazia tempo que eu não estava tão bem-humorada como hoje.

Ângela larga as sacolas no chão.

WERNER: Eu também estou muito feliz hoje, nem vou reclamar desse seu consumismo exagerado. Eu estava lendo aqui no jornal que a inflação vai baixar esse mês. Alegrou meu dia!

JANDIRA (pensamento): É hoje! Fazia tempo que eu não os via tão bem-humorados. É hoje que eles aceitam me dar um aumento.

Ângela senta-se no sofá ao lado de Werner. Jandira vai até a cozinha, serve duas xícaras de café e as leva até a sala. Ela entrega uma xícara para Ângela e outra para Werner.

ÂNGELA: Nossa, Jandira! Como você adivinhou que eu estava morrendo de vontade de tomar um café? Muito obrigada.

JANDIRA: De nada, meus patrões preferidos. É o mínimo que eu posso fazer para agradecer por esses vinte anos que eu tenho trabalhado aqui. E é com 4 gotas de adoçante, seu Werner, bem como o senhor gosta! Ah, e já falei que essa sua camisa caiu muito bem no senhor? Está elegantíssimo, como sempre!

WERNER: Obrigado, Jandira.

JANDIRA: Então, seu Werner e dona Ângela… eu queria conversar com os senhores… é que eu estava pensando em… talvez… sei lá, receber um aumento…

Werner entra em choque ao ouvir a palavra “aumento” e acaba derrubando a xícara de café em sua calça. Ele solta um grito ao sentir o café quente em seu órgão genital.

JANDIRA: SEU WERNER!

Werner começa a ter um ataque. Ele se levanta e começa a pular desesperadamente, gritando.

WERNER: Socorro!

Ele abaixa a calça e começa a correr em círculos pela sala.

ÂNGELA: Jandira, vai buscar um copo d’água!

Jandira sai correndo em direção à cozinha, enquanto Werner continua pulando, desesperado, na frente de Ângela.

WERNER: AAAAH! Tá queimando! Socorro! Alguém me ajuda!

Jandira chega da cozinha com um copo d’água. Ela joga a água em direção ao órgão genital de Werner, porém, como ele está pulando e se mexendo constantemente por causa da dor, a água gelada acaba acertando o rosto de Ângela, que se levanta.

ÂNGELA: AAAH! Jandira, sua destrambelhada!

Ângela começa a chacoalhar a cabeça para tirar a água.

WERNER: SOCORRO! Eu estou tendo queimaduras de 3º grau, alguém faça alguma coisa!

Jandira fica desesperada e volta para a cozinha para pegar mais água. Ela pega um copo e, quando vai servi-lo com a jarra d’água, acaba se confundindo e, na verdade, acaba pegando a térmica onde estava o café. Como Jandira está prestando atenção em Werner, nem nota que o copo está cheio de café quente e não de água, e volta até a sala, correndo.

Ela vai até Werner e joga o copo de café em seu órgão genital.

WERNER: AAAH! Jandira, sua imbecil! Você me jogou mais café! Socorro!

Jandira olha para o copo e percebe que há os restos de uma bebida preta. Werner desaba no chão de dor.

JANDIRA: Ih, é mesmo!

Ângela pega o telefone, disca alguns números e coloca-o ao lado de sua orelha.

ÂNGELA: Alô? Socorro, meu marido acabou de se queimar gravemente com café, preciso de uma ambulância urgente na rua Érico Veríssimo, nº 678!

Jandira faz uma cara de desespero e coloca a mão na testa.

JANDIRA: Meu Deus, eu só faço besteira!

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CENA 15
Rio de Janeiro, mansão de Marcelo, quintal, dia.

Marcelo aparece no quintal, arrastando o corpo desfalecido de Bruninha pelas mãos. O peito da prostituta está coberto de sangue. A câmera dá um zoom na mão esquerda de Bruninha. Enquanto Marcelo está arrastando o corpo, o anel que Felipe dera de presente à mãe acaba se soltando do dedo anelar da prostituta e caindo no chão, ficando ali, em cima da grama do quintal. Marcelo não percebe e segue arrastando o corpo.

Marcelo larga o corpo de Bruninha na grama do quintal, se abaixa e tira de dentro da bolsa dela o celular que ela havia ganhado de Felipe.

MARCELO: Melhor me garantir, vai que resolvem localizar o celular…

Marcelo joga o celular para cima com os todas as suas forças. Ele passa por cima do muro da casa e cai bem longe.

Com uma pá de jardim, Marcelo começa a cavar um enorme buraco no solo. Quando o buraco já está grande o suficiente, ele pega o corpo da prostituta e o coloca dentro da cova.

MARCELO: Pronto. Ninguém nunca vai descobrir o corpo dessa vagabunda aqui nos fundos da mansão. E ninguém liga para ela mesmo, nem vão notar que ela morreu. E eu fiz um favor para a humanidade matando essa rameira. Agora só vou cobrir o corpo de terra de novo e vou pro trabalho.

Marcelo, então, pega a pá novamente e começa a enterrar o corpo da prostituta.

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CENA 16
Rio de Janeiro, paisagens, noite.

Anoitece.

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CENA 17
 Rio de Janeiro, consultório de Marcelo e Mercedes, interior, noite.

Marcelo e Mercedes estão dentro do consultório.

MERCEDES: Bem, eu já vou indo, Marcelo. Até amanhã.

MARCELO: Até. Também só vou arrumar minhas coisas e vou ir.

Mercedes sai e Marcelo fica arrumando alguns papéis. Quando termina, ele os guarda em uma maleta e sai do consultório. Na sala de espera, ele vai até o balcão e fala com a secretária.

MARCELO: Eu vou ir embora agora. Só termine de organizar essas fichas e então você pode ir embora e fechar a clínica. Até amanhã.

Então, de repente, Marcelo ouve uma voz que lhe soa familiar.

VOZ FEMININA: Calma aí, Marcelinho, porque nós precisamos conversar.

Marcelo reconhece a voz, mas pensa que é impossível ser quem ele está pensando que é. Quando o médico se vira para trás, seu medo se torna realidade e ele faz uma cara de desespero. Era mesmo quem ele estava imaginando que fosse.

TAÍS: Por que o espanto, baby? Pensou que tinha se livrado de mim há vinte anos atrás? Pois você estava muito enganado. Eu voltei com tudo.

A câmera foca no rosto perverso de Taís, vinte anos depois de ter supostamente matado a filha bastarda de seu ex-marido. A cena começa a escurecer aos poucos, até ficar completamente preta.

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