Águas Passadas – Capítulo 28 (última semana – Vale a Pena Ler de Novo)

CENA 1
Rio de Janeiro, clínica de Daniel, consultório, interior, dia.

Vitória e Daniel estão sentados um de frente para o outro.

DANIEL: Siga-me, por favor.

Daniel caminha até uma espécie de maca e Vitória o segue.

DANIEL: Tire todas as suas roupas e fique só de lingerie, por favor, para eu poder te examinar.

VITÓRIA: Ok.

Vitória tira suas roupas e se deita na maca. Daniel fica surpreso ao olhar para Vitória e ver uma mancha em sua coxa. Uma mancha exatamente igual à que ele tem no mesmo lugar. Uma pequena luz de esperança de que Vitória seja sua filha invade a mente de Daniel e ele fica paralisado.

VITÓRIA: O que houve?

DANIEL: Essa mancha…

VITÓRIA: Ah, é uma mancha de nascença.

DANIEL: Ah, sim. Você sabe se seu pai também tem essa mancha?

VITÓRIA: Bem, isso eu não tenho como saber. É que eu fui adotada.

Daniel abre um largo sorriso.

VITÓRIA: Que foi?

DANIEL: Não, nada. Mas você foi adotada em um orfanato?

VITÓRIA: Não. Logo que eu nasci, eu fui jogada em um rio dentro de uma cesta de piquenique. Daí o meu pai adotivo, o Gumercindo, que é pescador, me encontrou nesse rio e me criou como sua própria filha. Era para eu ter morrido aquele dia. Alguém tentou me matar, mas não conseguiu.

DANIEL: Agora tudo se encaixa!

VITÓRIA: Tudo o quê?

DANIEL: Olha, Vitória, tente não se assustar com o que eu vou te falar. Também tente não criar expectativas, porque isso tudo pode ser só maluquice da minha cabeça. Mas você pode ser minha filha.

VITÓRIA: O quê?! Filha?

Close no rosto surpreso de Vitória.

CENA 2
Rio de Janeiro, rua, exterior, dia.

Beatriz está sentada na rua, toda suja e descabelada. Quando passa uma pessoa, ela grita:

BEATRIZ: Ei, me dá um dinheiro para eu pegar um táxi!

Mas é ignorada.

BEATRIZ (falando sozinha): Credo, como brasileiro é cruel. Não dá dinheiro nem para eu pegar um táxi. Mas dane-se. Eu vou a pé mesmo! Não é a falta de um meio de transporte que vai me impedir de contar a verdade para a Vitória. Eu vou até lá caminhando. Ela precisa saber a verdade.

Beatriz se levanta do chão e começa a caminhar.

~

CENA 3
Rio de Janeiro, clínica de Daniel, consultório, interior, dia.

VITÓRIA: Como assim “filha”?

Daniel abaixa sua calça e mostra a mancha idêntica à de Vitória que ele tem na coxa.

VITÓRIA: Tá, você tem uma mancha igual a minha, mas e daí? Isso não quer dizer que eu sou sua filha!

DANIEL: Eu sei, mas é que sua história fecha completamente com a minha! Eu e a minha mulher, há exatamente vinte anos atrás, a sua idade, tivemos uma filha que foi sequestrada e supostamente morta. Porém, há alguns dias atrás, a gente recebeu a informação de que essa nossa filha pode estar viva! E, ainda por cima, você é muito parecida com a minha mulher, Vitória. Vocês duas são lindas.

VITÓRIA: Nossa, que história… mas será que é isso mesmo? Será que você é o meu pai?

DANIEL: É isso que a gente precisa descobrir. Você topa fazer um teste de DNA comigo e com a minha esposa?

Vitória olha para Daniel, pensativa.

VITÓRIA: Topo. É claro que eu topo.

Animados, Daniel e Vitória sorriem.

~

CENA 4
Rio de Janeiro, casebre de Guilherme, interior, dia.

Taís está de frente para um espelho. Ela pega uma peruca loira, a coloca na cabeça, pega uns óculos escuros e os coloca.

TAÍS (para si mesma): Tá mó gata, hein, Taís? Irreconhecível.

Ela começa a rir loucamente.

~

CENA 5
Rio de Janeiro, clínica de Daniel, consultório, interior, dia.

Daniel e Vitória estão um de frente para o outro.

DANIEL: Bom, então você toma esse remédio que eu te receitei e vê se a dor passa ou não. Se persistir, marque uma nova consulta, ok?

VITÓRIA: Ok.

DANIEL: Depois eu passo na sua casa para a gente ir fazer o exame então.

VITÓRIA: Combinado. Até depois.

Vitória vai embora e Daniel volta ao seu consultório. Ele pega o telefone e disca alguns números.

*TELEPHONE ON*

DANIEL: Glória, eu acho que eu encontrei a nossa filha!

GLÓRIA: O quê?! É sério isso? Como?

DANIEL: Olha, não crie expectativas, mas apareceu uma menina aqui na clínica com uma mancha exatamente igual à minha na coxa! E ela me contou que foi adotada, tentaram matar ela quando ela era bebê, mas ela conseguiu sobreviver. Além disso, ela é muito parecida com você, meu amor!

GLÓRIA (chorando de felicidade): Nossa, mas isso é ótimo, querido! Eu estou tão feliz!

DANIEL: Eu também estou. Hoje mesmo, antes da sua cirurgia, a gente faz o exame de DNA com ela, está bem?

GLÓRIA: Claro, está ótimo! Te amo muito, Daniel.

DANIEL: Também te amo.

*TELEPHONE OFF*

Daniel desliga o telefone e não consegue parar de sorrir.

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CENA 6
Rio de Janeiro, clínica de Daniel, exterior, dia.

Vitória sai da clínica.

VITÓRIA (falando sozinha): Nossa, será mesmo que eu vou finalmente encontrar meus pais? Eu sempre tive essa curiosidade, mas eu sou tão feliz com meu pai adotivo que nunca nem me prestei para procurar meus pais biológicos.

Ao longe, Beatriz está caminhando pela rua. Quando ela enxerga Vitória, começa a correr em direção a ela.

BEATRIZ: Vitória!

Vitória olha para Beatriz.

VITÓRIA: Beatriz? Quanto tempo! Credo, você está um trapo.

BEATRIZ: Eu sei. É que aconteceram algumas coisas na minha vida e eu fui obrigada a largar a faculdade. Mas eu preciso te contar algo muito importante.

VITÓRIA: Nossa, hoje é o dia das revelações. Fale.

BEATRIZ: Volta para o Breno, Vitória.

VITÓRIA: O quê? Até você, Beatriz? Foi você que viu ele me traindo aquele dia, por que está me dizendo isso agora?

BEATRIZ: Eu menti, Vitória. O Breno nunca te traiu.

VITÓRIA: Como assim? É claro que me traiu! Eu mesma vi com os meus próprios olhos ele beijando a Letícia.

BEATRIZ: Ele não beijou a Letícia. A Letícia queria muito ficar com o Breno, mas ele gostava de você. Então ela armou tudo isso e eu a ajudei.

VITÓRIA: Por quê? Como você foi capaz, Beatriz?

BEATRIZ: Porque eu era uma vadia! Eu tinha todos aqueles luxos porque eu era sustentada por um homem mais velho. Eu achava que podia pisar em todo mundo e, como eu era amiga da Letícia, concordei em ajudá-la com esse plano maluco. Ela chamou o Breno dizendo que precisava falar com ele e que era algo muito importante, então ele foi com ela. Nesse momento, eu chamei você dizendo que ele estava te traindo e, quando você chegou lá, ela deu o bote e beijou ele, contra a vontade dele.

VITÓRIA: Meu Deus! Então ele estava falando a verdade o tempo todo e eu não acreditei…

BEATRIZ: Pois é. Eu estou tentando consertar a minha parte, agora só falta você consertar a sua. Vai atrás dele!

VITÓRIA: Não, mas esses dias mesmo eu vi uma foto dele com a Letícia no Facebook. Eles estão juntos agora.

BEATRIZ: Claro, né. Ele estava desolado por causa do fim do namoro de vocês e a Letícia se aproveitou dessa fragilidade dele para dar o bote. Acredite em mim, ele não ama a Letícia. Ele ama você!

VITÓRIA: Será mesmo?

BEATRIZ: Claro que sim! Ele correu atrás de você por um século tentando explicar a história, mas desistiu quando viu que você não ia perdoá-lo de jeito nenhum. Escuta o que eu estou te falando: vai até a casa dele e pede desculpas.

VITÓRIA: É o que eu vou fazer agora.

Vitória sai correndo.

~

CENA 7
Rio de Janeiro, casa de Breno, interior, dia.

Breno e Letícia estão sentados na sala de estar da casa dele, assistindo a um filme, quando a campainha toca.

BRENO: Ué… quem será a essa hora?

Breno se levanta, caminha até a porta e a abre. Ele fica surpreso quando vê Vitória. Ao perceber que Vitória está ali, Letícia se levanta do sofá.

LETÍCIA: O que essazinha está fazendo aqui?

VITÓRIA: Cale a boca, Letícia, que meu papo agora é com o Breno!

BRENO: Como assim? O que você quer falar comigo?

VITÓRIA: Breno, hoje que eu descobri que tudo aquilo foi uma armação da vagabunda da Letícia com a Beatriz para me separar de você. Eu sei que fui uma burra de não acreditar em você, mas é que eu mal te conhecia e eu vi você beijando ela… eu achei que você estivesse me traindo. Desculpa!

BRENO: Escuta aqui, você acha que você pode pisar em cima de mim daquele jeito, não acreditar em mim e depois pedir desculpa que está tudo bem?

Letícia abre um sorriso malicioso e Vitória fica triste.

BRENO: …então você está super certa, porque eu te amo muito e não vou abrir mão da minha felicidade por causa de orgulho.

Vitória começa a rir e Letícia fica irritada. Breno agarra Vitória e os dois começam a se beijar, apaixonados.

VITÓRIA: Eu te amo, Breno. Eu nunca deixei de te amar! Desculpe por tudo!

BRENO: Eu também te amo muito, Vitória.

Furiosa, Letícia pega sua bolsa e vai embora, chorando. Vitória e Breno entram na casa, fecham a porta e os beijos vão ficando cada vez mais intensos. A câmera foca no relógio e seu ponteiro girando em câmera rápida, mostrando que algumas horas se passaram. No quarto de Breno, ele e Vitória estão deitados na cama dele.

BRENO: Nossa, nada melhor do que uma boa reconciliação.

Vitória ri.

VITÓRIA: Safado!

Os dois se beijam. De repente, o celular de Vitória começa a tocar. Ela vê que é Daniel e atende.

*TELEPHONE ON*

DANIEL: Alô, Vitória?

VITÓRIA: Oi.

DANIEL: Eu vou passar aí na sua casa para te pegar, ok?

VITÓRIA: Ok, mas eu não estou na minha casa e sim na do meu namorado. É na rua Conde do Iguaçu, número 374, apartamento 200.

DANIEL: Está bem, estou indo.

VITÓRIA: Tá. Tchau.

DANIEL: Tchau.

*TELEPHONE OFF*

BRENO: Quem era?

VITÓRIA: Ah, eu não tenho tempo de falar agora, mas depois eu te explico. Eu preciso ir agora. Tchau.

BRENO: Tchau.

Os dois se beijam e Vitória se levanta cama e começa a se vestir.

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CENA 8
Rio de Janeiro, rua, exterior, dia.

Daniel está dirigindo seu carro e Glória está no banco do carona.

GLÓRIA: Nossa, eu estou tão ansiosa para conhecer a minha candidata a filha.

DANIEL: Você vai gostar dela, ela é muito parecida com você.

Glória sorri, empolgada. Daniel dobra e anda de carro pela rua Conde do Iguaçu.

GLÓRIA: Que coincidência, né? O namorado dela mora na rua da Heloísa.

DANIEL: Pois é. Devem ser vizinhos. Pera aí… número 374… é o edifício da Heloísa. E o apartamento é 200. Ela está na casa da Heloísa!

GLÓRIA: Que estranho! Que eu sabia a namorada do Breno é a Letícia, minha irmã adotiva.

DANIEL: De certo ele trocou de namorada. Ou ele tem duas.

Daniel estaciona o carro em frente ao prédio de Breno e a porta do edifício se abre. Em câmera lenta, é mostrado Vitória saindo de dentro do prédio. Glória, ao ver Vitória, abre a porta do carro e, com lágrimas escorrendo pelos seus olhos, sai correndo, até chegar onde está sua filha, que também está chorando. Emocionadas, as duas se abraçam fortemente e ficam ali, juntas, sem dizer nada. Apenas o olhar das duas demonstra o amor imensurável que existe entre ambas, que já têm certeza de que são mãe e filha, sem nem mesmo ter feito teste algum.

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CENA 9
Rio de Janeiro, laboratório, exterior, dia.

Glória, Daniel e Vitória saem do laboratório.

GLÓRIA: É, agora só falta um mês para que a gente saiba de vez se você é nossa filha ou não, Vitória. Mas eu tenho certeza de que é!

VITÓRIA: Eu sinceramente espero que sim, Glória. Vocês parecem ser muito legais.

DANIEL: Muito obrigado. Eu também espero que sim.

Ao longe, Marcelo está passando pela rua quando enxerga os três caminhando. Ele vai até eles.

MARCELO: Nossa, que linda família. Parabéns. Essa é a bastardinha de vocês? A Heloísa me contou que ela estava viva.

DANIEL: Cala essa boca, Marcelo.

GLÓRIA: Não que seja da sua conta, mas sim, ela é a nossa filha perdida.

MARCELO: Que bom. Espero que vocês sejam infelizes para sempre.

DANIEL: Vamos, meninas, não deem bola para esse idiota.

Os três entram no carro e Marcelo os observa. Ele está com um olhar diabólico e furioso.

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CENA 10
Rio de Janeiro, hospital, sala de cirurgias, interior, dia.

Glória está deitada em uma maca. Daniel e Vitória estão ao lado dela.

DANIEL: Vai dar tudo certo, meu amor.

GLÓRIA: Eu sei que vai, Daniel. Eu tenho fé.

VITÓRIA: Espero que a sua cirurgia dê certo, Glória.

GLÓRIA (sorrindo): Muito obrigada.

Felipe entra na sala.

FELIPE: Boa tarde a todos.

TODOS: Boa tarde.

FELIPE: Bem, Daniel e…

VITÓRIA: Vitória.

FELIPE: Daniel e Vitória, eu vou pedir que vocês se retirem da sala agora para que eu possa fazer os procedimentos pré-cirúrgicos e então a cirurgia. Assim que a cirurgia terminar eu chamo vocês.

DANIEL: Tudo bem.

Daniel e Vitória saem.

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CENA 11
Rio de Janeiro, clínica de Marcelo, sala de espera, dia.

Mercedes está lendo uma revista na sala de espera, enquanto a secretária organiza algumas fichas. De repente, a porta de entrada da clínica se escancara e Marcelo entra. Sem cumprimentar ninguém e claramente irritado, ele corre até seu consultório, entra e fecha a porta com um estrondo altíssimo.

MERCEDES (para a secretária): Vou tentar acalmar a fera.

Mercedes vai até o consultório de Marcelo e abre a porta. Em um ataque de fúria, ele passa o braço pela sua mesa e derruba todos os pertences que estavam ali.

MERCEDES: Meu Deus, Marcelo, o que houve?

MARCELO: A Glória está com outro homem! E o pior: ela encontrou uma filha dela que estava perdida há vinte anos! Que raiva!

MERCEDES: Mas e daí? Vocês não são separados?

MARCELO: “E daí”, Mercedes? E daí que a Glória é minha! Aquele cafajeste só está usando ela! Mas eles não podem ficar juntos. A única coisa que prende aquele casalzinho nojento é essa tal filha bastarda deles que apareceu do nada. Mas isso não vai ficar assim. Com a filhinha fora do caminho, é mais fácil eu conseguir separar a Glória daquele banana imbecil e conseguir ficar com ela.

MERCEDES: Ah é? Marcelo, aceite que a Glória não te ama mais!

MARCELO (gritando): ELA ME AMA SIM! E ela vai ser minha! Escreve o que eu estou dizendo.

MERCEDES: Mas o que você vai fazer?

Close no rosto perverso de Marcelo.

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CENA 12
Rio de Janeiro, hospital, sala de cirurgias, interior, dia.

Felipe, com a ajuda de seus instrumentadores, está realizando a cirurgia na mama de Glória, que está inconsciente.

INSTRUMENTADOR: Dr. Felipe, por que o doutor não está fazendo a cirurgia diretamente nas células cancerígenas?

FELIPE: É que, por algum motivo muito estranho e que eu não estou conseguindo identificar, as células do sistema imunológico da Glória estão rejeitando a anestesia. Você tem certeza de que o anestesista aplicou no local certo?

INSTRUMENTADOR: Eu não tenho como saber, doutor. O anestesista é novo e eu não entendo muito dessas ciosas. Sou apenas o instrumentador.

FELIPE: Hm. Só sei que é muito estranha essa rejeição que está ocorrendo. E isso pode ser algo fatal se eu não conseguir acabar com essa negação do corpo dela.

INSTRUMENTADOR: Não há nada que o senhor possa fazer para que a anestesia seja aceita?

FELIPE: Tem, e é o que eu estou tentando fazer agora, mas sem sucesso. Eu estou com medo de que a gente não consiga realizar a cirurgia. Ai, meu Deus, eu não estou conseguindo ajeitar isso…

Assustado, Felipe tenta a todo custo impedir a rejeição. De repente, ele nota que o monitor de frequência cardíaca, que há pouco estava apitando sem parar e no normal deveria estar com a linha cheia de ondulações e picos para cima e para baixo, começou a fazer um barulho constante e a linha ficou reta. Chorando, Felipe diz a seu instrumentador:

FELIPE: Já é tarde demais. O coração dela parou.

A câmera dá um close no rosto imóvel e sem respirar de Glória, e é com essa imagem que a tela começa a escurecer lentamente, até que fica completamente negra.

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